2 de maio de 2014

Alguém se esqueceu de salvar o capitalismo?, Gustavo Cardoso, Público, 01/05/2014

Em todas as épocas há paradoxos ou situações desconfortáveis face ao uso de certas palavras (mesmo sem se perceber bem porquê). Por exemplo, por não usarmos mais vezes a palavra "capitalismo" podemos estar à beira de continuar a fazer mais disparates do que as economias de mercado podem suportar.

Há palavras em desuso, como "proletariado", e outras que se vai aprendendo a usar, como "precariado". Falamos muito de "mercados", inclusive definimos o nosso mundo económico como "economia de mercado", mas falamos pouco de "capitalismo". E isso é um problema, porque quando não falamos, ignoramos. E ignorar leva a que não questionemos e, por consequência, não detectemos as falhas.

Ver artigo completo em:
http://www.publico.pt/economia/noticia/alguem-se-esqueceu-de-salvar-o-capitalismo-1634250?page=-1

30 de setembro de 2013

A competição diacrónica, António Guerreiro, In Ipsilon, Público, 27/09/2013

“Competição diacrónica” é um conceito
usado por Richard Heinberg, um
jornalista americano que muito tem
escrito e falado sobre a encosta
descendente em que nos encontramos
na corrida ao consumo de combustíveis
fósseis, em vias do esgotamento. Mas esta ideia de
uma competição diacrónica, a verificação de que
passámos a competir com os nossos descendentes,
ocupando não o espaço que sobra (porque esse já não
existe) mas o tempo que resta, o tempo futuro, é
muito pertinente para percebermos o que se passa no
campo da economia e dos mercados financeiros. Um
grave erro de análise — garantia de que tudo seguirá o
seu curso catastrófico — consiste em pensar que há
uma lógica económica autónoma que rege tudo. Ora,
essa lógica económica não existiria se não dependesse
de uma teoria da história que se baseia na experiência
da aceleração moderna do tempo. Deve-se a Reinhart
Koselleck, o autor alemão de uma monumental
história dos conceitos, ter apreendido a aceleração
como categoria específica do tempo histórico. A
competição diacrónica começou com a ideia de
progresso e reforçou-se com o imperativo do
crescimento. Por causa da aceleração, diz Koselleck,
“o nosso globo transformou-se numa nave espacial
fechada”, lançada no infinito. Como muito bem
percebeu Benjamin, há um ideia da história que
explica o curso do mundo, e não é possível
interrompê-lo se não construirmos uma nova. É
ingénuo pensar que o modelo económico é causa; na
verdade é consequência. A categoria da aceleração
permite perceber como é que a nossa época produziu
em tão pouco tempo tanto passado, ao ponto de já só
produzir passado porque deixa imediatamente para
trás ciclos evolutivos que dantes levavam séculos a
sedimentar. É a época das epoquizações: das décadas
que ganham autonomia e passam a escandir o tempo
histórico, como dantes acontecia com os séculos e,
antes, com os milénios; do ano que entra em
liquidação por altura dos balanços; das rentrées que se
tornam um passado longínquo logo a seguir ao dia de
Natal. Não se trata do encurtamento apocalíptico do
tempo, de que falam os textos apocalípticos da
tradição judaico-cristã, porque esse representava o
trânsito para a salvação eterna, era um modo de
chegar mais depressa ao dia do Juízo Final. A
competição diacrónica consiste em roubar tempo dos
que hão-de vir porque não nos chega aquele que nos
estava reservado. Esta é a consequência lógica do
princípio que rege toda a nossa economia e
sociedade, popularizado por Benjamin Franklin:
“Time is money”. Um antigo agricultor que plantava
cenouras, da espécie antiga, que levam alguns meses
a crescer, não sentia que estava a perder tempo e não
decidia passar à monocultura dos nabos, que crescem
em poucas semanas. Ele desconhecia o princípio de
que “time is money”. Para ele, cenouras e nabos
tinham um ciclo temporal idêntico: nascem,
desenvolvem-se e, se não são colhidos, tornam-se
duros e lenhosos, primeiro, e depois apodrecem. Ora,
para a agricultura industrializada, o princípio
fundamental é o de que “time is money”, e se ainda
comemos cenouras foi porque a engenharia genética
tornou possível chegar a novas espécies que crescem
em metade do tempo (e ficam em débito
relativamente ao sabor, na natureza também não há
almoços grátis). A competição diacrónica originada
pela aceleração explica a questão da dívida. Os países
endividam-se porque nós somos todos seres vivos em
débito. Se só recentemente é que nos começaram a
fazer ver isso, não é porque a dívida possa ser saldada
— ela só pode ser reproduzida. É porque o débito do
ser vivo é a modalidade da sua sujeição.

10 de agosto de 2011

Passos Coelho, que entrou com uma aura de honestidade e desinteresse das questões partidárias, começa muito mal.

Prometeu que o que importava nas nomeações era a competência, não o cartão partidário mas, até agora, os exemplos mostram o contrário.

Sócrates tinha preenchido vários lugares do Estado com aliados e adversários políticos. Os aliados, perto. Os adversários internos do PS, longe.

Assim, colocou Ferro Rodrigues como embaixador de Portugal junto da OCDE e Manuel Maria Carrilho como embaixador junto da UNESCO. Trataram-se de nomeações por questõs políticas, logo condenáveis.

Apesar de tudo, Ferro Rodrigues tem um forte curriculum ao nível do desenvolvimento económico e humano (cerne da actividade da OCDE) e Carrilho na área da Cultura (da área da UNESCO).

Segundo o que conta O Expresso, Passos Coelho já tinha convidado Santana Lopes para ocupar os lugares de Ferro Rodrigues e Manuel Maria Carrilho , mas este não aceitou, porque não queria sair de Portugal.

Claro está que Santana Lopes tem mais curriculum na área da cultura (foi o famoso Sub-Secretário de Estado que disse que a música que preferia eram os inexistentes concertos para violino de Chopin) ou na área social (não faço ideia porquê).

Como ele não aceitou sair de Portugal, Passos Coelho arranjou-lhe um lugar em Lisboa: Provedor da Misericórdia.

Ah, e foi substituir mais um socialista, Rui Cunha (ex-deputado).

Claro que a nomeação para este cargo nada tem a ver com questões partidárias,
pois Santana Lopes era mesmo a pessoa mais competente no país para este cargo.

Claro...


Santana Lopes será o Novo Provedor da Misericórdia

Certamente, fará parte da nova política de não nomear gestores públicos em função da filiação partidária.

Tal como aconteceu na CGD, com a nomeação de Nogueira Leite (membro do Conselho Nacional do PSD) e Nuno Fernandes Thomaz (do CDS), ou com a nomeção de um novo Presidente do Instituto do Desporto de Portugal dias antes de este ser fundido com o Instituto da Juventude (Augusto Baganha, que tinha integrado a equipa de Hermínio Loureiro, Secretário de Estado do Desporto do PSD), esta nomeação não deve ter nada a ver com critérios partidários.

Até porque são conhecidos os créditos de Santana Lopes na área social. No... Na... Em...
Bem, talvez não tenha experiência na área social, mas certamente que tem valores sociais... democratas.


21 de abril de 2011

Governo de salvação nacional?

Alguns políticos e outras figuras conhecidas da nossa praça têm defendido a constituição de um governo de salvação nacional. Na óptica deles seria formado por PS-PSD-CDS.

Mas eu digo que um governo de salvação nacional não tem de ser uma coligação dos partidos do "arco do poder". O próprio termo "governo de salvação nacional" é um acto de retórica bem construído, pois transmite a ideia de que se não for feito não nos salvaremos, como se a alternativa a ele fosse o caos.

Se tal governo acontecer será uma opção política de que discordo totalmente, mas será para assegurar uma estabilidade imediata que ajudará certamente a assegurar o financiamento externo, de que efectivamente precisamos.

Ou melhor, de que precisamos se quisermos que a mudança na nossa sociedade seja construída a partir do sistema que temos, com muitos defeitos mas com muitas virtudes. Porque, tal como só reparamos na saúde quando estamos doentes, muitas vezes não nos apercebemos como vivemos numa sociedade de abundância. A riqueza é mal distribuída é certo, mas é abundante. Porque tomamos o sistema de apoios sociais (pensões, subsídios de desemprego, abonos de família, rendimento social de inserção, etc), a educação pública e o sistema nacional de saúde como dados adquiridos. Mas também as estradas, os transportes públicos, os sistemas de tratamento de águas e esgotos, a recolha do lixo, etc. Tomamos tudo isto como adquirido e reparamos que a escola não é suficientemente boa, que as estradas têm buracos, que há pobres e que há políticos corruptos. E por isso mais vale acabar com este sistema e começar de novo.

Mas eu acho que o sistema (económico, social e político) precisa de mudanças profundas, mas construídas a partir das coisas boas que este sistema tem. E para as manter precisamos de financiamento externo. Para manter os sistemas públicos mas também a economia como um todo. Porque se é verdade que os recursos estão mal distribuídos e que os mais pobres são os mais prejudicados pelas crises, enquanto os mais ricos enriquecem cada vez mais, é também verdade que é possível diminuir o desemprego e a precariedade, e caminhar para uma sociedade mais justa e inclusiva através de melhorias na sociedade actual e no seu sistema económico e político.

Podemos recusar esse caminho e escolher outro, porque há sempre alternativas. Qualquer uma das alternativas terá aspectos melhores e piores do que a situação actual. São escolhas que podemos fazer. O que importa é fazer essas escolhas com a consciência de que se ganha umas coisas e se perde outras. Eu, que acho que temos muito a perder, opto por melhorar o que temos.

Radicalmente, porque acredito que é possível que a nossa sociedade seja melhor. Radicalmente melhor. Mas isso depende de nós, de fazermos as nossas opções políticas não apenas quando há eleições, mas nos nossos comportamentos quotidianos. Porque tudo é política e tudo contribui para manter, melhorar ou piorar a sociedade em que vivemos. Quando consumimos, quando poupamos, quando reciclamos, quando nos manifestamos... Todos somos agentes políticos. E todos podemos fazer escolhas.

E a minha posição é de que é importante assegurar as condições para obter financiamento externo, mas que para isso não é necessário criar um bloco central, que resolveria um problema imediato, mas seria péssimo para o nosso futuro. Porque a criação de um bloco político PS-PSD fará com que se reduzam as possibilidades de construção de caminhos alternativos exequíveis no presente. E a existência de alternativas actuais é fundamental para que os cidadãos possam escolher e decidir o seu futuro.

Claro que existem outros partidos políticos que apresentam alternativas. Mas as alternativas à esquerda (que são as que me interessam) recusam o sistema actual e não propõem mudanças a partir do mesmo. E, por isso, não aceitam pensar em qualquer coligação com o PS, que quer manter o sistema actual mas com algumas reformas. E o PS também não quer coligações com o PCP ou o BE, que querem criar sistemas económicos radicalmente diferentes.

E não há compromisso porque se opõem duas perspectivas de fundo diferentes: uma ética da convicção e uma ética da responsabilidade. O PCP e o BE não transigem nas suas convicções e o PS adopta um sentido de realidade em que, por responsabilidade, compromete as suas convicções. O PCP e o BE podem manter-se na ética da convicção, desde que não tenham que tomar decisões de governo. E o PS pode continuar a assumir o sentido de responsabilidade, mas se não parar para reflectir acabará por perceber que já está a defender as convicções em que acredita, só o sentido de responsabilidade. E responsabilidade sem convicções não é melhor do que convicções sem responsabilidade. Não está um mais certo do que o outro.

Mas tudo isto tem consequências para todos nós. Porque faz com que as alternativas de governo não incluam as posições políticas do PCP e do BE. E era boa a presença dessas posições políticas num governo com o PS.

Então, a um "governo de salvação nacional" eu contraponho a proposta de um "governo de salvação social". Se a esquerda tiver mais votos e mais deputados, o país poderá ter um governo PS-PCP-BE, que assegure o funcionamento do sistema actual, nomeadamente os compromissos decorrentes do financiamento externo, mas que faça o país evoluir para um modelo social mais equitativo.

Não é impossível. Depende de nós.

18 de abril de 2011

Os partidos e o FMI

Vejo com perplexidade as posições do PCP e do BE relativamente ao pedido de ajuda externa. Claro que não o desejavam, assim como o PS não o desejava mas se sentiu forçado a pedir, mas tendo o país chegado à situação de não se conseguir financiar externamente, quais as alternativas?

O PCP está contra o pedido de ajuda e "denuncia ilegítima intervenção externa". Talvez não seja desejável, mas se são os representantes democraticamente eleitos a pedir não me parece que se possa dizer que é ilegítima.

Mas mais importante seria dizerem onde é que iam buscar dinheiro para pagar os salários dos funcionários públicos, as pensões, os medicamentos, os abonos de família, entre muitas outras coisas que o Estado tem de pagar, como fornecimento de bens e serviços.

Por vezes ouve-se a ideia de que o Estado podia pagar só às pessoas e ficava a dever às empresas. Mas é uma ideia absurda, porque se as empresas não receberem o que os Estado lhes deve irão à falência, despedindo os seus trabalhadores. E não há nenhum motivo para que estes sejam prejudicados para proteger os funcionários públicos. Nem vice versa.

E sem os bancos terem dinheiro não poderiam emprestar às empresas nem às famílias. Sem o crédito bancário muitas empresas também não poderiam pagar aos trabalhadores e fornecedores. E sem crédito para as famílias comprarem casa extingue-se todo o sector imobiliário e de construção de casas. São centenas de milhares de empregos. Se souberem onde ir buscar o dinheiro, digam. Se não, expliquem-nos a alternativa.

Já o BE propõe uma alternativa: pedir um empréstimo de curto prazo ao Banco Central Europeu. Sempre me pareceu uma boa ideia, mas confronta-se com um problema: esse tipo de empréstimos não pode ser realizado de acordo com os regulamentos actuais.

Esperava-se que em Junho se alterassem as regras e que estes passassem a ser possíveis e que o próprio Banco Central Europeu pudesse comprar directamente dívida pública dos Estados (sendo Portugal o primeiro candidato). Mas isso deixou de ser possível para nós, pois o chumbo do PEC veio precipitar as acoisas e Portugal já não aguentou a pressão dos mercados internacionais. O Governo estava a tentar chegar até Junho, para poder pedir essa ajuda externa mais favorável, mas o chumbo do PEC forçou a antecipação do pedido de ajuda.

Importa então perguntar: se o que o BE propõe é algo que só poderia ser aprovado em Junho, não terá sido um erro chumbar o PEC? Provavelmente o Governo teria de cair ainda este ano, até porque estava paralisado. Mas isso poderia ser por altura do próximo Orçamento de Estado, lá para Outubro. Talvez assim não precisássemos de pedir ajuda nos termos em que teve de ser pedida, com o modelo do FMI. Agora podem dizer que estão contra, mas podiam ter contribuído para o evitar.

Mas a táctica política sobrepôs-se à defesa do bem comum... Com custos para todos nós.

13 de abril de 2011

O dilema das próximas eleições









6 de fevereiro de 2011

Quanto custa um aluno?

As notícias dizem que o PSD quer que a Assembleia da República aprove um estudo para apurar o custo de cada aluno no ensino público. Proposta semelhante, feita pelo CDS, tinha já sido chumbada pelos partidos de esquerda.

O caso parece estranho: porque é que alguém se iria opor a um estudo que apurasse, sem margem para dúvidas, o custo do que quer que seja? Porque os resultados de qualquer estudo prestam-se sempre à utilização pretendida por quem o promove.

Vejamos então: o que o PSD e o CDS pretendem é demonstrar que um aluno é mais barato no sector privado do que no sector público. Deste modo poderão sustentar a tese de que o Estado tem de aumentar o financiamento às escolas privadas, pois é mais barato para o Estado.

Vamos admitir que sim, que o ensino particular e cooperativo é mais barato. Porque será, então? Provavelmente por os salários serem mais baixos no privado. Mas também porque o público, pelas suas características de grande máquina administrativa, tem mais peso burocrático, com os correspondentes funcionários que tratam dessas questões.

À primeira vista o privado tem, portanto, duas vantagens competitivas: maior competitividade salarial e maior eficiência.

Mas, por outro lado, a escola pública desempenha funções que o sector privado não assume. Os serviços de educação especial, por exemplo. Tratam-se de uma barbaridade em termos de eficiência económica, mas será que não deviam existir?

E quanto a ter escolas a funcionar nos locais onde há poucos alunos? Sob uma onda de protestos, o Governo fechou as escolas com menos de 21 alunos. Mas para cumprir os critérios de eficiência económica talvez devesse fechar as escolas com menos de 100 ou 200. Será que os colégios privados estão dispostos a funcionar nos locais onde haja pouco mais de 20 alunos? Será que aí conseguem continuar a ser mais baratos que o ensino público?

Se se quer comparar os custos dos sistemas público e privado é necessário excluir do estudo todas as funções que são desempenhadas pela escola pública sem a devida correspondência no sector privado. Sem isso, os resultados de tal estudo para pouco mais servem do que para fazer demagogia.

Mas um estudo sério poderia ser muito útil, pois não tenho dúvidas também que a escola pública precisa de sérias melhorias.

4 de fevereiro de 2011

Guerra Colonial começou há 50 anos

Diz-me como te referes à guerra e dir-te-ei quem és.

Guerra Colonial, Guerra do Ultramar ou Guerra de Independência. Trata-se sempre da mesma guerra, mas a maneira como nos referimos a ela fala revela o nosso pensamento.

E, claro, a macabra contagem dos mortos também. Esta notícia só fala dos 8.289 militares portugueses mortos. Como se não tivessem morrido também guerrilheiros independentistas.

Porque será que nos indignávamos quando a administração americana de George W. Bush omitia sempre que havia mortos iraquianos, mas achamos normal que os jornais portugueses (pelo menos, todos os que vi) omitam o número de mortes de angolanos, moçambicanos e guineenses?

É duro confrontarmo-nos com o nosso passado.

31 de janeiro de 2011

A lembrar o 25 de Abril

O exército diz que não usará a força contra os manifestantes no Egipto.

Em comunicado, os militares disseram "A presença do Exército nas ruas é para vosso bem e para assegurar a vossa segurança. As Forças Armadas não vão recorrer ao uso da força contra o nosso grande povo”. “As vossas Forças Armadas, que estão cientes da legitimidade dos vossos pedidos e que estão dispostas a assumir a sua responsabilidade na protecção da nação e dos seus cidadãos, afirmam que a liberdade de expressão através de meios pacíficos está garantida para todos”.

Conclusão: o regime vai cair! A única questão é como. Hosni Mubarack vai conseguir negociar a transição ou vai acabar por ter de fugir do país, como aconteceu na Tunísia.
Se negociar já, pode conseguir um processo de transição pacífico, marcando eleições a que não se candidate. Se persistir no braço-de-ferro, acabará por ter de fugir, pois a declaração dos militares veio liquidar o medo que os cidadãos tinham do regime.
Agora quem deve ter mais medo é Mubarack.

28 de janeiro de 2011

Contestação na era digital

Depois da revolta na Tunísia, noutros países muçulmanos do Norte de África e península arábica surgem fortes movimentos de revolta.

Estamos perante um dos mais promissores efeitos da era digital: o aumento do poder dos cidadãos. A internet, o facebook, o twitter e todas estes novos meios de comunicação têm uma maior capacidade de fugir ao controlo da censura estatal do que os meios de comunicação social.

Apesar de haver Estados que conseguem censurar os conteúdos que os cidadãos consultam ou colocam na internet, como a China e Cuba, por exemplo, esse controlo é muito mais difícil do que o que é feito sobre a comunicação social. E isto por dois motivos: desde logo, porque requer mais recursos, humanos e tecnológicos; depois, porque quando se controla as televisões, rádios e jornais, está-se a controlar algumas centenas de pessoas, que se não obedecerem vão para a prisão. Mas para controlar a internet seria preciso prender muitas mais.

Que ninguém pense, porém, que a contestação se pode confinar aos meios digitais. Pelo contrário, é necessário dar expressão de massas à contestação. E isso só se consegue nas ruas. A internet aproxima-nos, porque comunicamos mais, mas também nos pode afastar, se ficar cada um em sua casa agarrado ao computador. E o totalitarismo só se sente ameaçado quando os cidadãos se unem contra ele.

16 de janeiro de 2011

A questão do cinto de segurança ou o compromisso entre liberdades e obrigações

Num eloquente argumento a favor da liberdade individual, Javier Gomá Lanzón escreveu (Babélia, El País) em 6 de Novembro passado, “¿Qué bien social está reglamentando la norma que declara ilícito el incumplimiento del deber de abrocharse el cinturón de seguridad? Ninguna: está velando exclusivamente por mí y no pretende proteger interés general alguno”.

O autor considera que esta imposição representa a imposição de um paternalismo estatal, uma imposição do estado à nossa vida privada, um uso totalitário da lei, quando a opção de usar ou não o cinto de segurança apenas afecta a nossa vida privada. Além da despesa pública resultante das consequências dos acidentes, claro está. E, relativamente a estas, Javier Gomá Lanzón estabelece um paralelismo com outras opções individuais, desde a ausência de hábitos saudáveis como ir ao ginásio ou beber com moderação até à procriação, por resultarem em gastos públicos futuros. E remata: “No: si mi libertad genera perjuicios, incurriré en la responsabilidad que proceda”. Como se tudo se resolvesse com dinheiro.

A vida em sociedade implica regras, que podemos não conhecer ou sequer aceitar, mas que nos afectam. Para o bem e para o mal. Uma delas é a obrigação de socorro. Ou será que por alguém optar por não usar o cinto de segurança está a desobrigar os outros dessa obrigação? Poderá um médico, paramédico, enfermeiro ou qualquer outro cidadão passar por um acidente na estrada e dizer “não levava cinto de segurança? Então não tenho de parar para o ajudar”? Ou poderão no hospital dizer “é um caso grave, mas como não levava cinto de segurança tratamos primeiro dos feridos ligeiros”? Ou, porque estas obrigações não se aplicam apenas aos automobilistas, poderão os serviços de socorro a náufragos dizer “não levava colete salva-vidas? Então não me vou arriscar a tentar salvá-lo. Fico a ver o jogo de futebol”?

A comunidade em que vivemos estabelece direitos e obrigações para todos os indivíduos, realizando compromissos entre liberdade e responsabilidade. Assim, se sofrermos um acidente, temos o direito de ser ajudados por quem tenha a possibilidade de o fazer; e para usufruirmos desse direito alguém tem uma obrigação correspondente. Não se trata apenas de “si mi libertad genera perjuicios, incurriré en la responsabilidad que proceda”. Trata-se, isso sim, de a comunidade assegurar a cada indivíduo direitos que têm implicações sobre os demais. E, correlativamente a esses direitos, exigir determinados comportamentos.

Voltando à questão de Javier Gomá Lanzón: porque não proibir também a ausência de hábitos saudáveis, como praticar desporto, por exemplo? Porque, no difícil equilíbrio entre liberdades e obrigações, a comunidade (pelo menos a maioria dela) tem entendido que a restrição da liberdade individual apenas é admissível quando o transtorno que provoca ao próprio está muito aquém das consequências que o comportamento proibido teria para os outros.

Obrigar as pessoas a praticar desporto ou a andarem mais a pé para serem mais saudáveis produziria certamente benefícios para a sua saúde, mas implicaria uma mudança significativa nas suas vidas. E mantemos, portanto, a liberdade de não o fazer. Vamos então de carro. Desde que o cinto de segurança vá bem apertado.

14 de janeiro de 2011

FMI, o amigo.

Depois da grande questão nacional, que todos sabemos ser o homicídio de Carlos Castro, dedicamo-nos a dar palpites sobre se o FMI vem ou não vem para Portugal.

Em termos ideológicos, o FMI está perto do PSD de Passos Coelho. Mas Passos Coelho vive em Portugal, pelo que não pode defender publicamente aquilo que pensa.

Queria rever a constituição para acabar com a proibição de despedimentos sem justa causa, mas percebeu que isso o poderia fazer perder as eleições; e mudou o discurso. Queria privatizar a Caixa Geral de Depósitos, mas a crise financeira tornou evidente a importância de manter o banco Público; e, também aí, mudou o discurso.

Mas não mudou as ideias. Mas se viesse alguém impor essas medidas...

10 de maio de 2010

E assim se pára um país

Quando soube que Cavaco Silva tinha convidado o Papa para vir a Portugal achei que isso pouco tinha a ver comigo. Tratava-se de uma visita oficial, é certo, pelo que envolvia o Estado português e, como cidadão, alguma coisa tinha a ver comigo. Mas só por essa via.

Entretanto, o governo decidiu que o assunto tinha muito mais a ver comigo. Declarou tolerância de ponto para a função pública.

Ou seja, decidiu que devido à visita do Papa os funcionários públicos não precisam de ir trabalhar. E, assim, aquilo que só remotamente me envolvia, pois não pretendia ir a Fátima nem a nenhuma das missas em Lisboa ou Porto, passou a ser um assunto meu.

Todos os serviços públicos estarão fechados ou a funcionar à mínima. E parece-me que não vale a pena dizer que a mim têm de me atender, que eu sou ateu.

21 de abril de 2010

A religião, o Estado e a ideologia

Camilo José Cela foi um excelente escritor. O facto de ter sido um apoiante da ditadura de Franco, primeiro lutou no exército nacionalista e depois teve o emprego de censor, não diminui o seu mérito literário. Mas o seu nome ficará sempre ligado não apenas às suas qualidades literárias, que o levaram a ganhar um Nobel, mas também ao seu posicionamento político.

Numa escola espanhola, com o nome de Instituto Camilo José Cela, uma estudante muçulmana, de 16 anos, decidiu começar a usar lenço a cobrir o cabelo. O Conselho da Escola proibiu-a de frequentar assim as aulas, tendo esta deixado de assistir às mesmas. O governo socialista de Zapatero opõe-se à decisão da escola, mas o governo regional de Madrid, liderado pelo Partido Popular, apoia a proibição.

Percebe-se então que o nome do colégio não remete apenas para um grande escritor, mas também para um posicionamento ideológico. É que os nomes contam.

E se os nomes contam, porque é que o Estado Português insiste em dar nomes religiosos a bens públicos? Da ponte de S. João, no Porto, ao futuro Hospital de Todos os Santos, Em Lisboa, por todo o país vemos as autarquias e o governo a atribuírem nomes religiosos às estruturas públicas.

Dir-se-á que se escolhem nomes que sejam relevantes para a maioria da população. Pois claro, mas quando se escolhe um nome com conotações religiosas ou ideológicas temos de ter presente que se está a fazer uma opção com significado ao nível dos valores das pessoas - e algumas vão sentir-se excluídas por essa opção.

19 de abril de 2010

De regresso

Após uma interrupção de alguns meses por necessidade de me dedicar a outros projectos, de regresso.

19 de janeiro de 2010

Um acto de justiça, senhor Presidente?

Cavaco condecorou hoje Santana Lopes com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo.

Disse Cavaco, “cumpre-se aqui um acto de justiça em relação a portugueses que serviram o país nos mais altos cargos de Governo da República, da magistratura portuguesa e dos órgãos próprios da região autónoma dos Açores”.

Recordemos que quando Santana era Primeiro-ministro, Cavaco escreveu o famoso artigo de opinião em que recordava a teoria económica para dizer que a má moeda, Santana, era sempre afastada pela boa moeda. Foi, na altura, um contributo importante para a queda do Governo, pois revelou que nem sequer a direita apoiava Santana Lopes.

Será que Cavaco está com a consciência pesada e a fazer um acto de contrição? Não. Está é a tomar uma posição com significado político: a afirmar que a sua família política é a direita e a reuni-la à sua volta. E assumindo-se como o líder dessa família, prepara a sua campanha presidencial.

Escusava era de nos usar para fazer essa sua campanha, pois quando condecora Santana Lopes não o está a fazer apenas em seu nome, mas em representação dos portugueses. Que, estou certo, estavam mais dispostos a atribuir-lhe uma repreensão do que uma condecoração.

8 de janeiro de 2010

Ao fim de 14 horas, fumo branco

Depois de quatro anos de conflito, o Ministério da Educação e os principais sindicatos chegaram a acordo. Ainda bem. É muito importante para as escolas, mas também para o país. Talvez agora seja possível os vários envolvidos concentrarem-se na construção de um melhor sistema educativo, de que francamente precisamos.

Olhando para trás, não é difícil perceber o erro que foi a não substituição da anterior ministra. Já muitas pessoas o diziam há muito tempo, mas o governo não quis dar o sinal de que cedia. E os sindicatos também não cederam. Sobrou a confrontação e o impasse.

Num pequeno livro muito interessante, intitulado "Contra o Fanatismo", Amos Oz diz que o problema do conflito israelo-palestiniano é tratar-se de uma discussão entre quem tem razão e quem tem razão. Assim é também na educação.

Talvez uns e outros consigam agora perceber que a discussão não é entre quem tem razão e quem a não tem, mas entre razões, perspectivas e objectivos que se confrontam, mas também se complementam.

4 de janeiro de 2010

Petição a favor de referendo sobre casamento homossexual é entregue amanhã na AR

Os referendos são óptimos instrumentos de democracia directa. Sufragam a vontade popular acerca de matérias concretas, fazendo com que as decisões sejam efectivamente tomadas pela maioria dos cidadãos.

Mas será legítimo referendar os direitos das minorias? Na Suíça referendaram o direito de os muçulmanos construírem minaretes. Por cá, querem referendar os direitos dos homossexuais. E amanhã, o que se seguirá? Talvez haja quem queira referendar o acesso dos ciganos a apoios sociais do estado. Ou, porque não, a expulsão dos ciganos para as Ilhas Desertas.

Quando se referendam os direitos das minorias está a tratar-se essas pessoas como isso mesmo, minorias. Ou seja, um grupo diferente, que deve ter direitos diferentes. E quem é que os decide? A maioria, claro está!

Pretende-se, portanto, decidir aquilo a que os outros, os que são diferentes de nós, têm ou não direito. Mas todos nós somos os outros dos outros. E todos somos parte de pequenas minorias: altos, baixos, obesos, ruivos, ateus, protestantes, testemunhas de jeová, desempregados, homosexuais, negros, ciganos, deficientes, comunistas... A lista não tem fim. E de certeza que cada um de nós está dentro de, pelo menos, um desses grupos minoritários.

A sociedade é composta por esta enorme diversidade de minorias. E é isso que lhe confere a sua riqueza.

Todos somos sociedade. Todos somos diferentes e, simultaneamente, os mesmos. Não devemos querer referendar os direitos de alguém como se fosse algo à parte.

16 de dezembro de 2009

Um falo de 100 metros

A Câmara de Paredes vai construir, por ocasião do centenário da República, um mastro de bandeira com 100 metros de altura. Custará a módica quantia de um milhão de euros.

O Presidente da Câmara defende o projecto, dizendo que irá geo-referenciar o concelho. Trata-se, portanto, de uma questão de afirmação.

E haverá algo melhor do que um grande falo para alguém se afirmar? Mesmo que custe um milhão de euros do dinheiro dos contribuintes.

3 de dezembro de 2009

Os minaretes na Suíça e o casamento de homossexuais

A proibição de minaretes na Suíça, decidida recentemente através de referendo, utiliza o mesmo argumento que os opositores ao casamento de homossexuais: a ideia de que as maiorias têm direitos (a construção de torres nas suas igrejas ou o casamento de pessoas de sexo diferente) que não têm de conceder às minorias, pois isso poderia afectar a sociedade de uma forma negativa.

Noutros tempos usou-se o mesmo argumento para manter a legislação que submetia as mulheres ao poder dos maridos, recusar conceder direitos aos negros ou proibir o culto de religiões que não fossem a maioritária.

E tinham razão: a sociedade transformou-se quando se concedeu esses direitos. Mas mudou para melhor. Acho que é o que acontece sempre que se criam mais condições de igualdade.

16 de novembro de 2009

Frase do dia

Ouvi na rádio que à porta de uma igreja está pendurado um cartaz com a seguinte mensagem:

«As reuniões do Grupo para a Recuperação da Auto-confiança realizam-se às sextas-feiras, às 8 horas da noite.

Por favor, entrem pela porta das traseiras.»

Não percebi em que igreja é que o cartaz está pendurado, nem sequer se essa igreja é no nosso país. Mas que ilustra a situação que aqui se vive, não tenho a menor dúvida.

Numa altura em que precisávamos de recuperar a esperança, acreditar que a situação económica e social pode mudar, surge-nos mais um caso de suspeição sobre o primeiro-ministro.

A entrada em vigor de um novo governo, que até começou bem, não tendo pejo em corrigir algumas opções do anterior (alargamento das condições para receber o subsídio de desemprego, fim das taxas moderadoras nos internamentos e cirurgias, ...), era uma excelente oportunidade para acreditar num novo impulso.

Mas, com um segredo de justiça esburacado, um primeiro-ministro com amigos pouco recomendáveis, uma comunicação social baseada em fontes anónimas e em rumores não confirmados e uma sociedade civil desconfiada e pronta a fazer julgamentos sumários, o novo impulso esfuma-se no éter.

Precisávamos de recuperar a auto-confiança, mas afinal temos de entrar pela porta das traseiras...

7 de outubro de 2009

A fragmentação da direita

(Artigo de opinião escrito por HB antes das eleições, mas só publicado no Diário de Notícias após as mesmas - no dia 3 de Outubro).

Ao longo da curta história da democracia portuguesa fomo-nos habituando a ver o espaço político da esquerda ser disputado por numerosos partidos. Além do PS e do PCP (coligado com Os Verdes), encontrávamos um grande número de pequenos partidos. Como é conhecido, há dez anos, a fusão da UDP com o PSR e a Política XXI deu origem ao BE, corolário de uma reorganização da esquerda que tinha já levado ao desaparecimento da maioria dos pequenos partidos surgidos após o 25 de Abril.

Por outro lado, a direita surgia sempre agregada em torno dos seus dois principais partidos, ainda que episodicamente surgissem candidaturas autónomas do PPM, MPT ou outros, mas que, ao contrário do que sucedia à esquerda, não conseguiam afirmar claramente o seu espaço ideológico, que era absorvido ora pelo PSD ora pelo CDS.

Assim, durante muitos anos, tirando o aparecimento de um partido de extrema-direita (o PNR) e de um outro resultante do melindre de Manuel Monteiro com o seu antigo amigo Paulo Portas (o PND), nada de novo parecia acontecer na direita portuguesa. A hegemonia ideológica dos seus dois maiores partidos, em que o CDS fixava o eleitorado mais conservador e o PSD abarcava tendências sociais-democratas, liberais e conservadoras, não deixava espaço para surgirem mais partidos.

Porém, a partir dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes começaram a esboçar-se factores que propiciaram o aparecimento de novos partidos.

Em termos ideológicos, a coligação do PSD com o CDS iniciou a aproximação entre estes. Apesar de a tendência ter sido interrompida durante a liderança de Marques Mendes, a actual direcção do PSD veio reafirmá-la. Manuela Ferreira Leite imprimiu ao partido uma orientação mais conservadora, levando a que os sectores social-democrata e liberal se sentissem pouco identificados com as suas posições.

Em termos de organização e mobilização, a campanha pelo “não” no referendo à Interrupção Voluntária da Gravidez funcionou como elemento catalizador, pois muitas das pessoas que participaram nessa campanha sentiram vontade de manter a sua participação cívica mas não se identificavam com o PSD nem com o CDS.

Surgem então três novos partidos a disputar os votos da direita, o Movimento Esperança Portugal (MEP), o Movimento Mérito e Sociedade (MMS) e o Portugal Pró Vida (PPV), cada um deles correspondendo a um espaço ideológico que o PSD e o CDS deixaram vago quando se aproximaram ideologicamente.

O MEP apresenta-se ao eleitorado com um discurso que conjuga uma perspectiva de intervenção social-democrata com uma visão democrata-cristã da sociedade (que era o posicionamento ideológico do CDS até ao início dos anos 90). Com fortes possibilidades de eleger deputados nestas eleições, passará a representar uma linha política que estava desaparecida do espectro partidário desde que Manuela Ferreira Leite se tornou líder do PSD e impôs uma orientação política mais conservadora, a social-democracia de direita, o que lhe confere um bom espaço de crescimento futuro.

O MMS propõe algumas medidas de orientação liberal e outras de cariz social-democrata. Disputa os eleitores que se identificariam mais com um PSD liderado por Pedro Passos Coelho do que por Manuela Ferreira Leite. Independentemente do resultado que obtiver nestas eleições, poderá tornar-se a voz das correntes liberais na sociedade portuguesa.

O PPV representa a direita católica mais conservadora. Apresentando-se a estas eleições como um partido quase “monotemático”, concentrado no combate à lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, não deverá conseguir captar muitos eleitores. Mas evidencia que existe um espaço político por preencher à direita do CDS.

A criação destes partidos não é circunstancial. É uma consequência do afunilamento ideológico que marcou a direita nos últimos anos, sobretudo o PSD. Este tornou-se um partido menos plural e os cidadãos encontraram formas de restabelecer o pluralismo político – criaram novos partidos que os representassem.

2 de outubro de 2009

Patologia ou demagogia?

Alguém faz o favor de chamar Santana Lopes à realidade? É que já nos bastavam os delírios persecutórios de Cavaco, para agora termos de assistir aos delírios de omnipotência de Santana. Ou então está mesmo confuso e julga que está a concorrer para Primeiro Ministro.

O cartaz em que nos aparece a dizer "Comigo o aeroporto fica em Lisboa" só pode ter uma de duas leituras:

Se ele segue a óptica de Manuele Ferreira Leite de só prometer o que sabe que pode cumprir, então o caso é patológico, porque está a delirar (pois não pode ser ignorância sobre as funções do cargo de Presidente de Câmara, pois já ocupou o lugar).

Mas, a bem da sua saúde, talvez o caso não seja esse; talvez saiba bem que mesmo que seja eleito nunca poderá assegurar essa promessa. Ainda bem para ele que os cartazes da Manuela Ferreira Leite já foram quase todos retirados - acho que a fotografia dela ia ficar mais rosada, de vergonha.

30 de setembro de 2009

O comentário desportivo de Cavaco

Não vejo programas televisivos em que se discute sobre futebol, mas quando por lá passo a meio do zapping vejo sempre as mesmas posturas: quando a bola bate na mão de um jogador da minha equipa é sempre "bola na mão", mas se for da equipa adversária é de certeza "mão na bola".

Cavaco disse-nos isso mesmo.

Segundo ele, não há problema nenhum em que um cidadão, que por acaso é membro da Casa Civil da Presidência da República, manifeste as suas preocupações pessoais a um jornalista, mesmo que se a propósito de uma suposta vigilância do Governo à Presidência. Eram só as legítimas preocupações de um cidadão. Foi "bola na mão".

Mas existirem dois deputados do PS a exigirem que o presidente esclarecesse se havia assessores seus a participar na elaboração do programa eleitoral do PSD, tal como tinha sido noticiado na comunicação social e replicado no site do PSD, isso sim é muito grave. Para Cavaco, foi "mão na bola".

Sei que é muito difícil para um comentador desportivo distanciar-se do seu afecto clubístico. E, como é sabido, os afectos interferem na percepção e no juízo. Será com esta visão que poderemos condescender com Cavaco. Mas não é isso que esperamos de um Presidente da República.

28 de setembro de 2009

Um novo dia para a esquerda portuguesa?

A esquerda ficou com 127 deputados, a direita com 99. A esquerda parlamentar teve 54,4% dos votos, a direita 39,6%.

A preferência dos eleitores é clara, querem que a esquerda governe. Mas será que os três partidos se conseguem entender para viabilizar um governo de esquerda?

No discurso de vitória, Francisco Louçã disse que começava um novo dia para a esquerda portuguesa. Presumo que sabe que isso só acontecerá se a esquerda à esquerda do PS aceitar responsabilidades ao nível governativo, o que não acontece desde os governos provisórios do pós-25 de Abril. É que todas as outras soluções já não são novidade - o PS aliar-se ao CDS, ao PSD ou gerir um governo minoritário com acordos pontuais à direita e à esquerda.

Bem vistas as coisas, talvez não seja um novo dia para a esquerda portuguesa.

24 de setembro de 2009

Cavaco já falou

Pacheco Pereira tem meia razão: Cavaco tem de falar. Mas só tem meia, porque Cavaco já falou.

Primeiro, ainda em Agosto, falou quando se manteve calado, não desmentindo as suspeitas de que a Presidência estaria a ser vigiada. Não desmentindo, confirmou.

Depois, disse que depois das eleições iria pedir esclarecimentos sobre questões de "segurança". Todos o percebemos o que dizia. Portanto, falou.

Falou apenas o suficiente para manter a suspeição, não para a esclarecer. E, soubemos entretanto, esta suspeição que não quis esclarecer e que preferiu alimentar teve origem na própria Presidência.

Então, do que é que Cavaco ainda não falou? Das suas motivações.

Terá sido por se achar mesmo vigiado? Mas nesse caso não faria mais sentido exigir uma investigação (aos militares sob sua alçada, por exemplo) do que tentar plantar uma notícia sobre o assunto?

Terá sido para fragilizar o governo? Não sei, mas a forma como agiu parece indicar nesse sentido.

Fico à espera de que fale. Se não falar, esperarei que se demita.

23 de setembro de 2009

O jornalismo é feito para informar?

Já estou farto de tanta desinformação. Surge uma notícia num dia e durante os dois ou três seguintes faz-se campanha em torno disso. Mais tarde vimos a saber que a notícia era falsa.

Agora é esta:
"A proposta para o congelamento da nota de "Muito Bom" ao Juiz Rui Teixeira foi da autoria de Laborinho Lúcio, elemento indicado pelo Presidente da República e que chegou a ser ministro da Justiça e não dos três elementos indicados pelo PS como aventado numa primeira fase. O caso foi mesmo usado pelo PSD para acusar o PS de perseguir juízes que prendem membros do PS." (
RTP.pt)

Mas não serão os jornalistas responsáveis pelas notícias que publicam? Porque é que publicaram a notícia (e a repetiram sucessivamente) sem confirmar os factos? Ainda por cima, pelo que se sabe agora, a suspensão da nota foi feita de acordo com o definido na lei e não por qualquer perseguição política.

É verdade que depois os casos vão sendo esclarecidos, mas fica sempre a suspeição. E, entretanto, serviram para influenciar os resultados eleitorais e denegrir a imagem de alguém. Para mim, quem fica com a imagem denegrida são os jornalistas que se prestam a estes fretes (porque é evidente que as notícias falsas não são inocentes) e os políticos que as aproveitam para fazer campanha contra os adversários.

22 de setembro de 2009

À distância de um evangelho

O watergate à portuguesa vem mostrar que Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite estão separados por um evangelho.

Enquanto Manuela Ferreira Leite se inspira no Novo Testamento, seguindo de forma dedicada o seu messias (que lhe deu o fantástico argumento da asfixia democrática), Cavaco é mais leitor do Antigo Testamento. Ao sacrificar o seu fiel Lima, nada mais dizendo sobre o assunto, Cavaco elegeu Lima como o seu bode expiatório que, como no Levítico, com o seu sacrifício limpava os pecados humanos.

Nota: não é por acaso que neste texto nunca uso a expressão "Presidente da República". Recuso-me a aceitar que este episódio tenha sido obra do "Presidente". Quando muito poderá ter sido o Cavaco, que um "Presidente da República" não comete indignidades.

10 de setembro de 2009

Portugal num relance

A Revista Visão de hoje traz um interessante dossier que pretende fazer um retrato-síntese da situação de Portugal em diversas áreas, como a educação, a saúde ou a ciência. Trata-se de uma leitura interessante, que nos permite ficar com uma ideia geral acerca da situação do país em algumas das áreas mais interessantes.

Ficamos assim a saber que, apesar de em algumas das áreas estarmos muito mal (por exemplo, os portugueses estão cada vez mais endividados), há outras em que se têm registado excelentes progressos, destacando-se as áreas sociais e a saúde.

Mas no melhor pano cai a nódoa.

No capítulo dedicado à administração pública surge um título: Públicos e bem pagos. Aí refere-se, em destaque, que os funcionários públicos auferem um ordenado médio 73% superior ao do resto da população (dados de 2005). Esta informação parece um bom argumento para sustentar a ideia de que os funcionários públicos são uns priveligiados. Não digo que o sejam ou não (provavelmente sim em algumas coisas e não noutras). O que digo é que estes dados não contribuem para essa análise, pois comparam universos com formações académicas muito diferentes, dado essencial quando se comparam remunerações.

É que no mesmo dossier, uns quadros mais à frente, vemos que 49% dos funcionários públicos tinham em 2005 formação superior. E uns quadros mais atrás podemos ler que em 2007 só 12% dos portugueses tinham curso superior.

Uma análise esclarecedora compararia os salários para cada nível de escolaridade. Apresentar os dados sem essa análise e fazer títulos como os apresentados serve mais para desinformar do que para esclarecer.

8 de setembro de 2009

"Fuck them", senhor presidente do Governo Regional da Madeira?

Os portugueses costumam olhar para Alberto João Jardim com uma tolerância especial. É habitual dizer "ele é mesmo doido", mas encolher os ombros perante os disparates que diz. Desta vez, como de outras, foi longe demais.

Tendo mandado foder (porque o seu mau inglês não retira significado às palavras que proferiu) todos aqueles que se preocupam ou criticam o facto de Manuela Ferreira Leite ter usado meios do estado (um carro do Governo Regional) para fazer campanha eleitoral, agora insultou-me a mim. E isso eu não aceito. Como não sou mal educado como esse senhor não o mandarei também foder.

Presumo que a maioria dos portugueses, incluindo o Presidente da República (que se costuma preocupar com o uso indevido dos bens públicos), também não o mandarão foder. Mas sentir-se-ão insultados.

Manuela Ferreira Leite tem agora a oportunidade de demostrar que tem coluna vertebral, que o seu discurso sobre a seriedade na política tem algum significado para ela. Mas parece que nada fará.

Há alguns meses eu acreditava que essa postura era autêntica, que Manuela Ferreira Leite era uma mulher com um verdadeiro sentido de seriedade e verticalidade política, mas concluo agora que essa imagem que muitos tínhamos dela era sobretudo por não a conhecermos bem. É que todos sabíamos quem era, mas na verdade só conhecíamos aquilo que dela diziam, não ela própria.

Na campanha teve de se expor, dando-se a conhecer directamente, sem intermediação. E o resultado é francamente decepcionante. Prega a Verdade (assim, com maiúscula) e moralização da vida política, mas afinal tem um comportamento político absolutamente condenável.

Da classificação da Madeira como "bastião da democracia" onde não há "asfixia democrática" (ao contrário do que afirma existir no continente) à inclusão de António Preto nas listas de deputados, Manuela Ferreira Leite tem mostrado prosseguir valores bem distintos daqueles que professa.

Tendo baseado a sua campanha na Política de Verdade, quando esta cai por terra, sobeja muito pouco.

6 de setembro de 2009

Bússola eleitoral

Aqui fica uma ferramenta útil para cada um poder fazer uma análise do seu perfil político, a partir da resposta a uma série de questões que são colocadas neste site.

Para aceder à bussola eleitoral clique aqui

1 de setembro de 2009

O dilema da esquerda

(Artigo de opinião publicado no Diários de Notícias em 29 de Agosto de 2009)

As esquerdas têm muito que as divide, mas têm em comum o mais importante: os valores fundamentais.
A ideia de que existe uma responsabilidade colectiva dos cidadãos, da sociedade, perante os restantes cidadãos é o ponto fulcral desses valores. E é também a linha divisória que distingue a direita e a esquerda.
É isso que faz com que a esquerda defenda o Estado social, que é, afinal, a forma de colectivamente nos responsabilizarmos pelo destino de todos, concretizando assim o princípio da solidariedade.
Por não partilhar deste valor, Manuela Ferreira Leite defendia há dias, na sua crónica no Expresso, que o que deve existir é mais caridade na sociedade. A caridade é um acto de generosidade (e muitas vezes não passa de um acto de alívio da consciência), não de responsabilidade.
A distinção não é apenas terminológica: solidariedade versus caridade. É profundamente ideológica, mas com claras consequências práticas, condicionando a forma como se olha para os mais desafortunados: como pessoas que têm direito a receber apoios sociais ou como pessoas a quem se faz a “bondade” de atribuir esses apoios.
Apesar de frequentemente o Bloco de Esquerda e o PCP acusarem o PS de fazer uma política de direita, a verdade é que reconhecem que todos pertencem ao mesmo campo ideológico, pois partilham os valores fundamentais.
Isto deveria tornar mais fácil a construção de entendimentos entre eles e é incompreensível que por vezes não consigam chegar a soluções de compromisso em que todos cedam um pouco.
O exemplo da Câmara de Lisboa, que Santana Lopes pode ganhar, é paradigmático. Mas as eleições legislativas serão o verdadeiro teste à capacidade da esquerda para se unir pelo bem comum.
Todas as pessoas de esquerda, mesmo aquelas que estão insatisfeitas com o PS, querem que este vença as legislativas. Umas querem que forme governo sozinho, outras preferem que faça acordos com os partidos à sua esquerda, mas todas querem que ganhe.
Porém, como constatámos nas eleições europeias e pelo que dizem as sondagens que têm sido publicadas, pode ser que isso não aconteça.
A maioria dos portugueses olha para estes dados com incredulidade: nem lhes passa pela cabeça que o PSD, fraco como está, possa ganhar.
Só que o PSD não precisa de conquistar muitos votos, basta-lhe conseguir mobilizar o seu eleitorado fiel. A convicção generalizada de que não ganhará encarregar-se-á de fazer o resto, levando a que muitas pessoas que poderiam votar no PS (o que fariam se achassem que o que estava em causa era ganhar o PS ou o PSD) votem no BE ou na CDU, com a ideia de que isso irá empurrar o PS para a esquerda.
Sabendo que bastará que o PSD tenha mais um voto do que o PS para Cavaco Silva convidar Manuela Ferreira Leite a formar governo, muitos eleitores de esquerda sentem estar perante um dilema: gostariam de votar à esquerda do PS para mostrar a este o caminho que deve seguir, mas se o fizerem há o risco de o governo ser de direita. Um governo PSD-CDS que, com o beneplácito do Presidente da República, reduzirá o papel do Estado social à perspectiva de caridade em que Manuela Ferreira Leite se inspira.
Será um dilema difícil de resolver para muitos, mas é fundamental que o seja em plena consciência das consequências de cada uma das opções, pois o que está em jogo é demasiado importante para permitir leviandades.

20 de agosto de 2009

A campanha e os homens do Presidente

O PS cometeu dois erros nesta polémica, ambos com benefícios eleitorais para o PSD:

1) ter feito a acusação de que assessores da Presidência estavam a colaborar na elaboração do programa do PSD;

2) ter-se deixado arrastar para uma discussão sobre se os assessors estão ou não a ser vigiados, exigindo que Cavaco se pronuncie sobre o assunto.

O primeiro erro foi tentar associar a Presidência da República à campanha do PSD.

A associação do PSD à Presidência pode levar alguns eleitores do centro (que votaram em Cavaco nas eleições presidenciais) a pensar que o PSD não está tão descridibilizado como parece, pois até tem o apoio da equipa de Belém e talvez do próprio Presidente. Talvez considerassem abster-se, ou até votar num outro partido (CDS, PS ou até no MEP), mas poderão pensar que se o Cavaco apoia o PSD é porque essa é a melhor escolha.

A associação Cavaco-PSD é uma estratégia que poderá (e deverá) ser utilizada nas eleições presidenciais, pois é negativa para Cavaco Silva, mas para o PSD de Manuela Ferreira Leite é uma boa ajuda.

O segundo erro é persistir na polémica com a Presidência, dando a ideia de que esta está meesmo em guerra com o Governo. Mais uma vez, prejudica Cavaco, mas beneficia o PSD.

Sócrates esteve bem, a desvalorizar a polémica como uma brincadeira de Verão, mas alguns correligionários não foram capazes de se conter. O PSD agradece.

17 de agosto de 2009

Tropas para o Afeganistão

Parece que no Afeganistão, local onde dezenas de milhares de tropas ocidentais lutam contra os Taliban, apoiando o regime do Presidente Hamid Karzai, foi aprovada uma Lei do Estatuto Pessoal Xiita.

Pensava que os países ocidentais apoiavam o governo de Karzai na luta contra a barbárie, mas a aprovação desta lei deixou-me mais esclarecido. O que apoiam é um regime que condescende com a barbárie e luta contra uma barbária ainda pior.

Certamente que era muito pior a vida sob o regime Taliban, mas isso não pode ser pretexto para o governo vender os direitos das mulhers para tentar conquistar alguns votos entre a população xiita, nas eleições que se avizinham.

Agora as mulheres xiitas têm de pedir autorização ao marido para trabalhar, marido esse que pode retirar todo o apoio à mulher, incluindo a alimentação, se esta se recusar a obedecr aos seus pedidos sexuais.

A mim soa-me a escravatura sexual, mas como Portugal também lá tem tropas parece que é melhor não dizer nada.

12 de agosto de 2009

Os moços fizeram um 31

Convenhamos, a coisa até teve piada. Foi um acto subversivo feito com inteligência e humor.
Ainda bem que não vivemos numa monarquia, senão os rapazes ainda passavam uns bons anos na prisão, que as monarquias costumam ser muito sequiosas dos seus símbolos.
Acho que têm pouco sentido de humor...
Felizmente para nós, a causa monárquica portuguesa tem muito mais piada.
Entre um pretendente ao trono que é uma piada viva e um partido monárquico cujo presidente... "Presidente"? Mas o partido monárquico é chefiado por um "presidente"? Ficava-lhe melhor um rei!
Enfim, o "presidente" do tal partido monárquico diz que o pretendente ao trono é um usurpador, o seu primo é que devia ser rei.
Talvez a disputa se pudesse resolver num duelo, com espadas de pau para não se magoarem. Seria um duelo só a brincar, como esta história de restaurar a monarquia.

4 de agosto de 2009

Ouviram os portugueses?

Os cartazes do PSD com o tema "Ouvimos os portugueses" são uma de duas coisas: a demonstração do vazio político em que se encontra o PSD ou a confissão de que habitualmente os seus procedimentos são tudo menos correctos.

A minha memória reteve três frases: "Prometam só o que podem cumprir" (que pretende justificar o atraso no programa eleitoral e a ausência de propostas concretas), "Façam política com as pessoas" e "Olhem por quem mais precisa".

A primeira hipótese, a de que os cartazes demonstram o vazio político, deve-se ao facto de as frases nada dizerem. As mensagens são absolutamente óbvias e banais, pois podiam ser ditas por qualquer político, de esquerda ou de direita, pois são aspirações gerais.

A questão prende-se em como concretizar essas aspirações gerais, como é que se vai dar resposta a pedidos como "Olhem por quem mais precisa". Isso o PSD omite. Mas Manuela Ferreira Leite já nos esclareceu na sua crónica do Expresso de 11 de Julho, intitulada "Caridade na Verdade", em que elogiando o Papa, fala de "um apelo à humanidade para mudar de caminho, baseado na caridade, na verdade, como forma de atingir metas ao alcance dos homens." Pois bem, o PSD vai olhar para quem mais precisa através da caridade.

A segunda hipótese, a de que o PSD está a confessar que as suas práticas habituais são condenáveis torna-se evidente quando se questiona porque é que essas frases parecem ter algum conteúdo para o PSD: só se antes não faziam as coisas assim.

"Prometam só o que podem cumprir". Porquê? Antes prometiam coisas que sabiam que não cumpririam? "Façam política com as pessoas". Porquê? Antes não o faziam?

3 de agosto de 2009

Sondagem - Esquerda com mais de 50%, mas PSD pode ganhar

As esquerdas têm muito que as divide, mas têm em comum o mais importante: os valores fundamentais.

A ideia de que existe uma responsabilidade colectiva dos cidadãos, da sociedade, perante os restantes cidadãos é a linha divisória que distingue a direita da esquerda.

É isso que faz com que a esquerda defenda o estado social, que é, afinal, a forma de colectivamente nos responsabilizarmos pelo destino de todos. É o princípio da solidariedade.

É por não partilhar deste valor que Manuela Ferreira Leite defende que deve existir mais caridade na sociedade. A caridade é um acto de generosidade (apesar de muitas vezes não passar de um acto de alívio da consciência), não de responsabilidade.
O que distingue os partidos de esquerda são diferentes visões acerca do grau até onde vai essa responsabilidade e as formas de a concretizar.

PS, BE e PCP, apesar das divergências, fazem parte do mesmo campo.
Isto deveria tornar possível a criação de entendimentos à esquerda e é incompreensível a incapacidade de se chegar a situações de compromisso em que todos cedam um pouco. O exemplo da Câmara de Lisboa, que Santana Lopes pode ganhar, é paradigmático.

Mas esses acordos têm de ser pós eleitorais. Antes o PS tem de conseguir mais votos do que o PSD.

Mas não é atacando o BE ou o PCP que o vai conseguir, é afirmando os seus valores de esquerda, única forma de recuperar muitos potenciais abstencionistas e também alguns eleitores que, apesar de ideologicamente mais próximos do PS, poderão votar no BE com a ideia de que este poderá influenciar o próximo governo do PS, empurrando-o para a esquerda.

1 de agosto de 2009

Poderia o Ministério da Educação ser diferente?

Um texto recente, da autoria de Helena Damião, Pedagoga, sustenta que o Ministério da Educação não podia ser diferente, porque é politicamente incorrecto defender as ideias para a educação que realmente deveriam ser implementadas. E como o que acontece com todos os políticos é quererem apenas conquistar o poder, não fazem o que devem, mas o que o povo quer ouvir.

Estou em total desacordo. Claro que o Ministério da Educação poderia ser diferente. Para melhor e para pior. É tudo assim na vida.

A ideia de que todos os políticos fazem o mesmo, que tentam esconder a verdade e que o seu único interesse é manter o seu poder é fácil de defender, mas é absolutamente populista.

Antes de mais é uma generalização que, como todas, é injusta. O politicamente correcto impede-nos de dizer que "todos os ciganos são..." ou "todos os funcionários públicos são...", mas parece que já fica bem dizer "todos os políticos são...".

É também uma ideia completamente anti-democrática. Se os políticos são todos maus, qual será a melhor forma de governo?

Um governo de especialistas, presume-se do texto. Pois se a educação deve ser deixada aos professores, que são os especialistas, e "por princípio, os encarregados de educação e pais não se devem pronunciar em matéria de ensino formal", também a justiça deve ser apenas gerida apenas por magistrados e a agricultura por agricultores.

Não! A educação, a justiça, a agricultura e todas as outras funções do estado devem ser sujeitas ao processo democrático. A sociedade deve escolher o seu futuro e a democracia (que implica a existência de políticos) é a melhor forma de o fazer. Ou, como dizia o Sérgio Godinho, "é o pior de todos os sistemas, com excepção de todos os outros".

30 de julho de 2009

Mais ricos perderam 8,5% das suas fortunas

Deve ser por isto que Manuela Ferreira Leite aproveitou a conferência do Diário Económico para mostrar a sua preocupação com uma "quase perseguição social" dos ricos.
Tem razão, as 25 pessoas mais ricas de portugal perderam 8,5% das suas fortunas, pelo que estas já só representam 10,7% do PIB.
Coitadas. Se calhar po´díamos fazer uma subvenção pública, para as ajudar...

28 de julho de 2009

Os jardins de Lisboa

No diário de notícias de hoje, João Miguel Tavares sugere que se deite abaixo o Parque Eduardo VII. Como refere, aquele desenho de jardim não serve para mais nada além dos 17 dias que dura a Feira do Livro. A própria Feira do Livro é feita nas duas laterais, com o grande corpo central vazio, na sua geometria majestática, bem ao estilo do Estado Novo, tempo em que foi construído.
Concordo com João Miguel Tavares. Os jardins são para serem vividos e usados. Não são só para ver de longe.
Parece que se criou uma ideia na cidade de Lisboa de que não deve haver intervenções nos jardins, que por isso não vão acompanhando as novas ideias de vivência da cidade, ficando velhos e vazios.
É o que acontece também nos jardins do Campo Grande. Muitos lisboetas passam diariamente por lá, mas de carro. A quantos ocorrerá passar por lá a pé?
Em tempos pensei que era o facto de estar ladeado por faixas automóveis que inibia o seu uso. O apurado sentido crítico de um amigo (Filipe Pinto) alertou-me para a concepção do jardim. Certamente adequada para os tempos em que os namorados iam passear de barco naquele pequeno lago, mas completamente desadequado para os dias de hoje.
Outro exemplo que conheço bem: o Jardim da Parada, em Campo de Ourique. É um espaço muito utilizado, onde circulam centenas de pessoas por dia. Mas o seu espaço ajardinado (protegido por guardas metálicas) é simplesmente deplorável. Valem-nos as árvores, que ao nível do solo o resultado é mau de mais.
Será que os jardins que recebemos das anteriores gerações têm de se manter inalterados até ao fim dos tempos? Será que não se pode remodelá-los com projectos de arquitectura paisagística mais contemporânoes, que tornem a sua vivência mais agradável?
Parece que não. Deve haver nsta matéria um qualquer tabu que desconheço.
Para concluir, uma breve sugestão: e se em vez de se utilizar aquele espaço da antiga Feira Popular (que agora é um descampado no meio da cidade) para construir mais prédios, criando com isso uma receita de largas dezenas de milhões de euros, é certo, se criasse ali um grande jardim?
Custaria essas dezenas de milhões de euros, mas estava a construir-se uma cidade diferente, mais equilibrada em termos espaciais e ambientais. É uma oportunidade que não se repetirá nos próximos cem anos. Não seria melhor aproveitar agora?

27 de julho de 2009

A ele nunca ninguém acusou de se ter licenciado a um Domingo

Questionado, pelo jornal "i", sobre se achava que a imagem que deixou como primeiro-ministro o prejudicava, Santana Lopes deu esta interessante resposta "De mim nunca disseram que não era licenciado, ou que fiz quatro cadeiras com o mesmo professor, ou que me licenciei num domingo".
Já há quatro anos, em plena campanha eleitoral, em que circulava o boato de que Sócrates era homossexual (coisa horrível, talvez só ao nível de comer criancinhas, como fazem os comunistas), Santana Lopes nos tinha oferecido uma pérola do discurso político: estava ele num jantar oferecido por um grupo de mulheres e diz à comunicação social que era muito bom receber aquele carinho, aquele colo, mas "há quem prefira outros colos".
Expressão inocente, sem dúvida, pois Santana Lopes não faz ataques pessoais.
Aliás, como esta resposta acerca da licenciatura. Não é certamente para reavivar as suspeitas de que a licenciatura de Sócrates foi irregular. Não senhor, foi apenas uma expressão inocente. Aliás, uma resposta dada em abstracto e que nada tem a ver com qualquer pessoa concreta. A associação que possa ser feita não pode passar de pura malícia.
Mas já que estamos no campo da especulação em abstracto, há outros exemplos que Santana Lopes poderia ter usado, como coisas que dele nunca disseram.
Por exemplo: "de mim nunca disseram que tenho três braços e uma cor azulada"; ou "de mim nunca disseram que fui um bom primeiro-ministro"; ou ainda "de mim nunca disseram que sou ponderado e equilibrado"; ou mesmo "de mim nunca disseram que deixei as finanças da Câmara de Lisboa em ordem".
Como vemos, são inúmeros os exemplos que Santana Lopes poderia ter usado. O facto de ter vindo reavivar as suspeitas acerca da vida pessoal do primeiro-ministro tratou-se apenas de uma coincidência.

26 de julho de 2009

Política de Verdade

O PSD fez uma campanha, que incluiu um ciclo de conferências um pouco por todo o país, intitulada "Política de Verdade".
Pergunto-me o que é que representa esta ideia de Verdade para o PSD.
Aparentemente, confiam realmente nesta ideia de que existe "uma verdade" e não "várias verdades", que se confrontam entre si.
A introdução na política de um discurso de "verdade", além de epistologicamente ultrapassado, traz consigo os perigos do radicalismo e do populismo. Quando cada um diz que é dono da verdade está a afirmar que os outros mentem (eufemisticamente, diz que os outros faltam à verdade). Deste modo o diálodo torna-se impossível e o antagonismo é exacerbado.
A política ficará mais radicalizada e os acordos serão serão impossíveis de realizar. Será pior para o país, mas enfim, clamar pela Verdade é um sound bite de fácil efeito e assim nem sequer é preciso fazer propostas.

22 de julho de 2009

PSD só vai apresentar o programa eleitoral no final do Verão

Pelo que se vê, vão usar a estratégia denominada "ganha quem fizer melhor de morto".
Pode pensar-se que é uma estratégia tão legítima como qualquer outra, mas não: é profundamente anti-democrática.
Não permitem que as suas propostas sejam escrutinadas pelos eleitores, mas se ganharem dirão que têm toda a legitimidade democrática para implementar as suas políticas, pois estas foram sufragadas nas urnas. Só que não foram!

17 de julho de 2009

Ministra da Educação mantém a avaliação de professores "simplex"

A Ministra da Educação chamou os sindicatos para lhes dizer que o modelo de avaliação "simplex" vai continuar em vigor, mas a partir de segunda-feira está aberta a receber propostas dos sindicatos para melhorar o sistema de avaliação, o que já não acontecerá nesta legislatura.
É importante lermos nas entrelinhas: o que a Ministra está a dizer é "eu não posso ceder, mas as vossas sugestões serão ouvidas pelo próximo Governo", a que ela já não irá pertencer.
Parecendo assumir uma posição de força e teimosia, a Ministra está, afinal, a tentar sair de cena, apontando para o lado. Esticando o dedo na direcção de Sócrates, a Ministra, talvez sem o saber, coloca a questão no seu ponto fulcral: este governo já não vai decidir nada, concentrem-se nas propostas para a próxima legislatura.
Importa, portanto, saber o que propõe cada partido: os professores devem ser avaliados? Com que critérios? Os resultados devem ter efeitos na carreira? E na remuneração? Devem existir quotas para as classificações mais altas? Quem devem ser os avaliadores?
Não basta dizer que se suspende a avaliação, é preciso clarificar que alternativas é que se propõe.

16 de julho de 2009

Significado político dos cartazes

[Artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, em 16 de Julho de 2009 (o título não é meu)]

Não se ganham nem perdem eleições por causa dos cartazes eleitorais, como não bastam os candidatos que se apresentam, os programas eleitorais propostos, as entrevistas concedidas ou os debates em que se participa.
Sozinho, cada um dos elementos não é decisivo, mas fazem parte de um todo que faz com que o resultado possa ou não ser o desejado por cada partido.
A função dos cartazes é assim, a um tempo, dar o mote para as posições que se vai assumir na campanha e, a outro, reforçar essas mensagens. Evidentemente, não se apresenta um programa político nos cartazes, mas pode-se apresentar as ideias-chave do mesmo ou da campanha que se está a desenvolver.
Tratando-se de mensagens curtas, é necessário fazer a melhor síntese do que se quer transmitir, apresentando propostas, promovendo os seus candidatos ou atacando os adversários. E para serem eficazes têm de transmitir uma mensagem consistente com o resto da campanha, funcionando até por vezes como auxiliares para descodificar as mensagens mais complexas que se vai transmitindo nos debates, entrevistas, tempos de antena, etc.
O cartaz que o PS já colocou no terreno, com Sócrates rodeado de pessoas e a frase "Avançar Portugal", merece assim uma análise atenta, pelo que pode indicar relativamente às propostas políticas que pretende apresentar ou o mote que quer dar à campanha.
Faz recordar um cartaz da campanha de Ségolène Royal para a presidência francesa, em que esta surgia no meio de muitos cidadãos. Apresentava-se como "uma de entre nós", "próxima das pessoas".
O contraste com o cartaz do PS não podia ser maior. Neste, percebe-se que todos estão a olhar para Sócrates (ao contrário do cartaz de Ségolène), mas não se vêm mais rostos para além do seu e o de uma jovem que olha para ele com o ar mais embevecido que se pode conceber. A jovem parece admirar tanto o líder do PS que se, como na banda desenhada, existisse um balão a ilustrar os seus pensamentos, teria de dizer qualquer coisa como "ele é tão fantástico!".
O líder do PS, com um sorriso confiante, aparece como um líder épico. E a frase "Avançar Portugal" indica o rumo, o desígnio a que o líder nos conduz.
Sócrates tem razão quando diz que o combate eleitoral vai ser uma escolha de “atitude”. Mas se é esta a “atitude” política que o PS nos trará para as legislativas, é bom que se prepare para um mau resultado. Se persistir nessa postura, é porque não compreendeu os resultados das europeias.
O que os cidadãos esperam dos políticos é humildade (e, infelizmente, cada vez mais pessoas já não o esperam). Não tanto porque essa seja uma característica pessoal de grande valor, mas sobretudo porque ela permite compreender os erros e corrigir a direcção.
Nas europeias os eleitores pediram uma correcção de rumo, não o reafirmar da mesma “atitude”. E isso implica uma alteração nas políticas, talvez já não as deste governo, mas nas propostas para a próxima legislatura.
O primeiro cartaz do PS dá quanto a isto um péssimo sinal.

15 de julho de 2009

OCDE elogia coragem da Ministra da Educação

Lembrei-me de imediato de um episódio da série da BBC "Sim, Sr. Ministro". Nele era explicado ao Ministro o verdadeiro significado dos elogios às decisões políticas. "Uma medida corajosa" era um dos elogios mais temidos, significava que com essa medida o Ministro arriscava a sua permanência no governo.
A Ministra da Educação sabe que não fará parte do próximo governo, pelo que já não tem medo de ser classificada de "corajosa". Ainda bem, porque por estes dias será o único elogio que conseguirá ouvir.

14 de julho de 2009

CMVM defende que os auditores devem mudar de sete em sete anos

É impressão minha ou quando pagamos a alguém para fiscalizar a nossa própria empresa estamos a garantir que a fiscalização não é muito "fiscalizadora"? Será provavelmente conselheira, mas dificilmente será incómoda.
Passa-se com as empresas de auditoria o mesmo que com as restantes: lutam para conquistar os clientes e quando o conseguem tentam, evidentemente, mantê-los.
O que o bom auditor faz então é aconselhar o cliente a corrigir as situações irregulares que, ainda que sejam ilegais, não serão denunciadas. O cliente pouco escrupuloso saberá portanto qual a parte das irregularidades que deve ser corrigida ou ocultada - é aquela que foi visível para os auditores, pois é aí que reside o risco de ser apanhado.
Na sequência do inquérito ao caso BPN, vários actores políticos exigiram a demissão do Governador do Banco de Portugal.
Claro que o desempenho do Banco Central neste caso é muito relevante, mas mais importante é reflectir sobre o sistema de supervisão e, acrescento eu, também o de auditoria.
Mas nesta matéria foram já muito poucos os que defenderam mudanças substantivas. A CMVM vem agora tapar o sol com a peneira com uma proposta pífia.
Não será a mudança de empresa de auditoria de sete em sete anos, como agora a CMVM vem sugerir, que melhorará o sistema de supervisão e auditoria. Só será eficaz quando essa mudança coincidir com a eleição de uma nova administração que entre em ruptura com a anterior e queira revelar os erros dos seus antecessores.
Sem a mudança do lado do cliente, a troca de auditores de pouco servirá, pois os novos auditores poderão tornar-se incómodos para os seus clientes se pretenderem fazer averiguações muito profundas. Se os interesses do cliente se mantêm os mesmos, os auditores respeitarão isso.
Acresce que uma empresa de auditoria que cause dificuldades a um dos seus clientes correrá também o risco de não conseguir arranjar mais clientes novos: quem é que quer contratar auditores que sejam "demasiado exigentes"?
O sistema de auditoria tem portanto de mudar, mas radicalmente, não com tibieza. E a forma mais eficaz de o fazer é através da criação de novos incentivos.
Hoje as empresas de auditoria são incentivadas a agradarem aos seus clientes. No futuro elas devem ser incentivadas a agradarem aos supervisores, que representam o estado e, portanto, o bem comum.
Os auditores deverão, portanto, passar a ser nomeados pelos supervisores (CMVM, Instituto de Seguros de Portugal, Banco de Portugal, etc.), que lhes pagarão pelo trabalho prestado. Por sua vez, as empresas auditadas pagarão ao supervisor uma taxa de auditoria, em função de vários indicadores como a sua dimensão, volume de negócios, complexidade do sector de actividade, etc.
Esta é uma mudança que poderá melhorar muito qualidade das auditorias realizadas, pois agirá sobre a principal vulnerabilidade das mesmas - o conflito de interesses que emerge de fiscalizar o cliente.
Tem de ser feita à escala mundial? Certamente que sim, mas tem de começar por algum lado e Portugal é um óptimo local para esse início: um país pequeno, com uma economia relativamente moderna e aberta ao exterior.
O nosso país não tem de ser um actor irrelevante no panorama económico mundial. Pode marcar a agenda económica e política, apontando caminhos para a correcção das distorções do sistema económico.

9 de julho de 2009

G8 decidem reduzir as emissões de carbono em 80% até 2050

Por estranho que possa parecer, isto é apresentado como uma boa notícia. É sinal de que os jornalistas caíram no engodo.
Até 2050? Até podiam decidir reduzir as emissões em 99%. É uma meta para daqui a mais de 40 anos!
E daqui a cinco anos e a dez anos, quais serão as reduções?
Provavelmente, se existem tais metas, vão esquecer-se de incluir penalizações para o seu não cumprimento. As penalizações devem existir, essas sim, fortes, para daqui a 40 anos.
E assim, os grandes líderes mundiais cumpriram o seu papel em defesa do ambiente, o povo sente-se aliviado e tudo fica bem no mundo. Um pouco mais quente, mas bem.

7 de julho de 2009

A campanha eleitoral - o cartaz do PS (Avançar Portugal)

Não se ganham nem perdem eleições por causa dos cartazes eleitorais, como não bastam os candidatos que se apresentam, os programas eleitorais propostos, as entrevistas concedidas ou os debates em que se participa.
Sozinho, cada um dos elementos não é decisivo, mas fazem parte de um todo que faz com que o resultado possa ou não ser o desejado por cada partido.
A função dos cartazes é assim, a um tempo, dar o mote para as posições que se vai assumir na campanha e, a outro, reforçar essas mensagens. Evidentemente, não se apresenta um programa político nos cartazes, mas pode-se apresentar as ideias-chave do mesmo ou da campanha que se está a desenvolver.
Tratando-se de mensagens curtas, é necessário fazer a melhor síntese do que se quer transmitir, apresentando propostas, promovendo os seus candidatos ou atacando os adversários. E para serem eficazes têm de transmitir uma mensagem consistente com o resto da campanha, funcionando até por vezes como auxiliares para descodificar as mensagens mais complexas que se vai transmitindo nos debates, entrevistas, tempos de antena, etc.
O cartaz que o PS já colocou no terreno, com Sócrates rodeado de pessoas e a frase "Avançar Portugal", merece assim uma análise atenta, pelo que pode indicar relativamente às propostas políticas que pretende apresentar ou o mote que quer dar à campanha.
Faz recordar um cartaz da campanha de Ségolène Royal para a presidência francesa, em que esta surgia no meio de muitos cidadãos. Apresentava-se como "uma de entre nós", "próxima das pessoas".
O contraste com o cartaz do PS não podia ser maior. Neste, percebe-se que todos estão a olhar para Sócrates (ao contrário do cartaz de Ségolène), mas não se vêm mais rostos para além do seu e o de uma jovem que olha para ele com o ar mais embevecido que se pode conceber. A jovem parece admirar tanto o líder do PS que se, como na banda desenhada, existisse um balão a ilustrar os seus pensamentos, teria de dizer qualquer coisa como "ele é tão fantástico!".
É esta a atitude que o PS nos propõe para o futuro?
Mau começo!

3 de julho de 2009

A saída de Manuel Pinho

Talvez Sócrates possa estar satisfeito com a saída de Manuel Pinho. Teve a oportunidade de mostrar que há limites que não aceita que sejam ultrapassados e mostrou humildade quando pediu desculpas com toda a clareza. Pode ser um contributo para atenuar a imagem de arrogância.
Saiu um ministro que, mesmo sem o gesto infeliz, prejudicava a imagem do governo.
Com arrogância, gafes e grosserias, o ministro Maizena, que anunciou o fim da crise quando esta ainda mal tinha começado e se fez fotografar numa piscina ao lado de Michael Phelps, parecia ter uma atracção pelo ridículo.
E ridiculamente sai do governo.

O touro enraivecido

Discutia-se o estado da nação no parlamento. Um ministro faz uns cornos (na sua própria cabeça, curiosamente) para um deputado da oposição.
Isto já diz muito do estado da nação - uma crispação enorme entre o governo e a oposição, mas também na própria sociedade.
O ministro demitiu-se (ou foi demitido) e muito bem. Por três razões:
1ª Porque para alguém se dar ao respeito tem de respeitar os outros, pelo que deixou de ter condições de respeitabilidade;
2ª Porque desrespeitou um deputado da oposição, que merece todo o respeito do governo e não deve ser tratado como um inimigo, mas como um representante do povo;
3ª Porque desrespeitou o parlamento, órgão a quem o governo (e, portanto, o ministro) tem o dever de prestar contas.
A oposição exigiu a demissão do ministro e as desculpas do governo. Ambas lhe foram concedidas. Uns e outros agiram bem.
Quem esteve mal foi Manuel Pinho e sobre ele recai o opróbrio de um acto inaceitável.
Durante os próximos dias ainda se falará muito do caso mas, a não ser que haja novos desenvolvimentos, já não há muito a dizer.
Mas este caso faz-me retomar um caso semelhante que não teve o mesmo tratamento. Há poucos meses, o deputado José Eduardo Martins, do PSD, gritou repetidamente "vai para o caralho" (assim, com as letras todas) para um colega de outro partido que intervinha no plenário.
Passadas umas horas, já sem estar a quente, pediu desculpa a todos os deputados, menos áquele que era alvo dos impropérios.
A quente é mal educado. A frio mantém a grosseria.
Não me recordo de ver na altura o líder parlamentar do PSD a exigir a demissão do seu colega de bancada, seu vice-presidente no grupo parlamentar, como agora fez (bem) com o ministro da economia.
Porquê? Os gritos de José Eduardo Martins são menos graves do que os cornos simulados por Manuel Pinho? Ou Paulo Rangel acha que aos deputados se exige menos decoro do que aos ministros?

1 de julho de 2009

Os tribunais e as crianças

As notícias de hoje dizem-nos que o tribunal de Cascais decidiu Suspender o processo de adopção de Martim, uma criança de dois anos e meio, filho de uma adolescente de 15 e um jovem adulto de 20.
O tribunal parece ter voltado atrás na anterior decisão judicial depois de a comunicação social ter dado forte cobertura ao caso.
Certamente que muitas pessoas ficarão mais tranquilas com esta nova decisão do tribunal.
Eu fico bastante preocupado. Não com o caso em si, em relação ao qual só posso dizer que ainda bem que vai ser reapreciado. Mas em relação ao funcionamento do sistema judicial. Porque me parece que a suspensão do processo de adopção não se dá devido aos factos do processo judicial, mas devido às notícias que este gerou.
Se a família não tivesse feito tanto alarido, tudo estaria bem. O processo estava decidido e não voltaria atrás. Não interessava se a decisão era ou não a melhor - o tribunal tinha-se pronunciado e essa decisão seria definitiva.
Mas sujeito ao escrutínio da opinião pública já se reavalia a sentença.
Por um lado, ainda bem que o sistema judicial não está completamente autista e dá atenção ao que se passa à sua volta. Mas por outro, que confiança podemos ter de que a justiça seja bem exercida (num critério que é sempre o de qualificar como justas as decisões que nos agradam) se não atraírmos as câmaras de televisão para a nossa causa.
Ficamos também a saber, o sistema judicial, cujo topo era até agora o Supremo Tribunal de Justiça, O Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Administrativo, tem mais uma instância de recurso, a comunicação social.

29 de junho de 2009

Sondagem - PSD à frente

A primeira sondagem após as europeias indicava que o PSD está à frente do PS nas intenções de voto para as legislativas. Sem maioria absoluta, mesmo se coligado com o CDS.
Não acredito que o resultado das eleições seja esse. Acho que, se as eleições fossem hoje, o PS ganharia, mas só com o apoio conjunto do BE e da CDU poderia ter maioria absoluta no parlamento.
Seria um cenário com muito potencial. Se esse potencial se concretizava de forma positiva ou negativa dependeria da capacidade desses três partidos para interpretarem a vontade dos eleitores e, humildemente, assumir as devidas responsabilidades políticas.

Investimentos públicos - os manifestos dos 28 e dos 51

(Este post é escrito no local mais propício - no Alfa Pendular, a caminho de Lisboa)

Para quem quiser ler os manifestos, pode encontrá-ls nestes links:
Dos 28: http://www.reavaliarinvpublicos.com/cont1_01.html
Dos 51: http://pauloquerido.pt/economia/manifesto-de-51-economistas-e-cientistas-sociais/

É bom ver os cidadãos organizarem-se para co-produzirem manifestos que visam estimular do debate público. Traz a discussão para fora do espaço restrito da política partidária, tendo também efeitos nesta (que é, aliás, o principal objectivo desses manifestos).
Gosto da iniciativa e saúdo-a, pois permite a todos nós pensar sobre este assunto a partir de duas ideias contrastantes, quando é tão habitual ouvirmos dizer "a única alternativa é"... Ideia bizarra, se pensarmos um pouco nisso, pois o conceito de alternativa implica que existe isso mesmo, alternativa, pelo que não se pode conceber uma alternativa que não tenha outra... alternativa. Esse discurso é, por isso, uma contradição nos termos. Que não é inocente: é feito para pensarmos que não há alternativa, conduzindo a um pensamento único.
Voltando aos manifestos: o dos 28 diz que, perante o novo contexto económico, temos de reavaliar os investimentos públicos sob uma perspectiva técnica, por um painel de peritos independentes; o dos 51 defende que o investimento público tem efeitos virtuosos na economia e, sobretudo, no emprego, pelo que este momento de crise justifica (ainda mais do que antes) a aposta em investimento público.
À primeira vista parece possível concordar com ambos os manifestos, dizendo que sim a ambas as afirmações: que os investimentos públicos têm efeitos virtuosos, mas devem ser reavaliados.
Mas isso é apenas aparente, pois o manifesto dos 28 utiliza um truque comunicacional, que está a ter o efeito pretendido: diz algo com que é fácil concordar (que é necessário repensar os grandes investimentos públicos), mas não apresenta a sua ideia de fundo (que o investimento público não é uma boa forma de estimular a economia).
E a ideia de fundo deve ser discutida de forma separada da questão (também relevante) sobre se se deve reavaliar as opções dos últimos governos (do PS e do PSD/CDS).
A primeira questão é ideológica, a segunda é de bom senso.
Na primeira questão, a minha opção já está tomada - acho que deve haver mais investimento público, que não só anima a economia, criando empregos, como também cria maior bem-estar social. Porque não conta só a rentabilidade de uma linha ferroviária, por exemplo (já que estou num combóio), mas também a utilidade social que esta tem para a população. E, a propósito, recordo que fechar as linhas do interior "porque não são rentáveis" não deve ser encarado apenas como uma decisão de gestão "que não tinha alternativa", mas também política.
Na segunda questão tenho dúvidas, sobretudo na linha de TGV Lisboa-Porto-Vigo. A minha dúvida não se prende com a rentabilidade da operação, até porque não conheço os estudos, tal como acontece com quase todos os comentaristas com opiniões muito determinadas a favor ou contra. A minha dúvida é se vale a pena investir na substituição de um bem social de qualidade média (o serviço prestado pela linha do Norte) por outro de qualidade superior.
A mesma questão não se coloca na ligação a Espanha, pois a qualidade do serviço actual é muito baixa, pelo que quase não é utilizado. Aí a questão é quase a de criar um novo bem social, não a sua substituição.
Havendo muitas necessidades no país e poucos recursos, claro que concordo com a necessidade de avaliar bem os investimentos - e o caso do novo aeroporto (que era na OTA e afinal vai ser em Alcochete) não dá muita confiança de que os investimentos estejam todos bem avaliados.
Mas, dito isto, afirmo que há muitas outras áreas nas quais devia haver mais investimento público. Esta é a minha opção ideológica. Outros terão diferentes, mas que as afirmem, não camuflem.

25 de junho de 2009

Um pouco mais sobre liberdade de imprensa - o exemplo da Manuela Moura Guedes

Conseguirá alguém imaginar um jornalista de esquerda a apresentar um telejornal de uma forma tão opinativa como a Manuela Moura Guedes? Quantos dias o deixariam apresentar esse telejornal? Um, dois dias?
O jornalismo da Manuela Moura Guedes pode ser um exercício de liberdade de imprensa, mas porque é que essa liberdade só é válida para as ideias populistas e conservadoras? Deixariam um ex-político de esquerda apresentar um telejornal de forma comprometida com as suas ideias?
Manuela Moura Guedes foi deputada do CDS e isso em nada a diminui.
O que fica diminuída é a nossa cidadania por só haver jornalismo comprometido de direita.

Ainda a TVI e a liberdade de imprensa

Telefonou-me um amigo que me perguntou: "achas que a PT vai comprar a TVI para fazer um favor político?".
Acho que não. Vai ser ao contrário. A PT não vai fazer o negócio com objectivos políticos. O que poderá é, depois de concretizado o negócio, fazer política com o objectivo de fazer mais negócio.
Claro que os gestores e accionistas da PT têm as suas ideologias, mas não gastarão milhões para ajudar o governo. Mas não tenho dúvidas que estarão dispostos a ajudar o governo para ganhar alguns milhões.

A compra da TVI pela PT e a liberdade de imprensa - para além da conjuntura

A preocupação do PSD com a eventual compra de parte da TVI pela PT, podendo levar ao afastamento de José Eduardo Moniz, é elucidativa.
O PSD sabe que grandes empresas como a PT, mesmo não recebendo instruções do governo, sabem que lhe devem ser agradáveis. Não por causa da golden share que o estado detém, mas porque há muitos milhares de milhões de euros envolvidos nos negócios entre o estado e as empresas de telecomunicações - porque o estado é cliente, regulador (há um instituto público, mas quem nomeia os seus órgãos?) e legislador.
O PSD sabe disto e tem receio do frete que a PT possa fazer ao governo. Não porque a actual administração da PT seja particularmente subserviente ou este governo tente mais ingerências do que os anteriores. Mas porque é assim que as coisas funcionam.
E funcionam assim tanto em relação aos governos como aos grandes financiadores da comunicação social. Com uma dependência tão grande das receitas de publicidade (que representam mais de metade das receitas totais), não deve ser fácil "morder a mão que lhes dá de comer".
Mas não é a questão estrutural que preocupa o PSD, mas a conjuntura que agora não lhe é favorável. Quando for, tudo estará bem.
Mas a questão estrutural é a que realmente importa: como podemos ter uma informação mais plural?
Talvez os blogs, os jornais e revistas electrónicos e outros novos meios de comunicação possam ser um caminho nesse sentido. Espero que sim, mas por enquanto...

22 de junho de 2009

O PS ganhará as legislativas se virar à esquerda

(Artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, em 21 de Junho de 2009)

Apesar de o resultado não estar garantido à partida, é relativamente fácil a Sócrates e ao PS assegurar a vitória nas legislativas. Para tal, porém, será necessário tomarem algumas medidas, que se situam em três níveis distintos: discurso, protagonistas e políticas.
Ao nível do discurso a mudança já está em prática. Parece que o PS compreendeu que se afasta da maioria dos portugueses quando insiste com o discurso vitorioso em relação ao desenvolvimento do país (e aos sucessos do governo) e quando ataca violentamente a oposição. Pode agradar às suas hostes mais entusiastas, mas utiliza a linguagem da “tribo” que, acossada, cerra fileiras com os seus mais fiéis. Só que, não se tratando de uma guerra mas de eleições, o mais importante não é cerrar fileiras, excluindo os menos fiéis, mas ser inclusivo e abrir ao exterior.
Para tal, o PS precisa de mostrar que compreende as dificuldades e preocupações dos portugueses, que estes são tempos difíceis, mas que está empenhado em tentar minorar as suas consequências presentes e em lançar as sementes para um futuro melhor. Com humildade, preocupação e esperança. Destas, tem falhado sobretudo a primeira, que Sócrates tenta agora corrigir.
Ao nível dos protagonistas, o PS não poderá dispensar mudanças mais profundas do que a simples troca de porta-vozes. Depois de na noite eleitoral ter afirmado que o governo manteria o rumo, é altura de mostrar que compreende a mensagem que os eleitores quiseram dar e corrigir alguns erros e dificuldades na governação. Com essa humildade poderá atenuar a imagem de arrogância que lhe é atribuída, que é o seu maior handicap.
A remodelação do governo permitirá desbloquear algumas das áreas que estão paralisadas. Alguns ministros perderam toda a capacidade de diálogo e a sua acção resume-se à gestão administrativa dos ministérios. Até à tomada de posse do governo saído das legislativas não haverá tempo para tomar grandes medidas, mas estes seis meses também não devem ser tempo perdido. Novos ministros, que conheçam os sectores e tenham a capacidade de governar em diálogo, poderão fazer muito mais.
É da natureza da política actual que aquilo que tem maior impacto para os cidadãos e para o país, as políticas, seja o que geralmente menos votos gera. Porém, José Sócrates não conseguirá recuperar muitos dos eleitores que agora se abstiveram se tentar mudar apenas o discurso e os protagonistas. Isso soará a demagogia vã e, no estado de descontentamento em que se encontra o país, essa será fortemente penalizada nas urnas. A solução adoptada no Ministério da Saúde, em que a substituição do ministro aliviou a tensão e permitiu continuar as mesmas políticas, não será suficiente.
É então necessário que o PS faça uma alteração nas políticas, fazendo uma inflexão à esquerda.
Juntos, CDU e Bloco de Esquerda obtiveram 21,4% dos votos nas europeias. Nunca, nem mesmo nos primeiros anos após o 25 de Abril, os partidos à esquerda do PS tiveram uma votação tão elevada. É certo que o resultado não pode ser extrapolado para as legislativas, mas é incontornável fazer uma leitura ideológica: não foi a população portuguesa que se deslocou para a esquerda, considera é que o PS que se deslocou para a direita. Aliás, o fenómeno Manuel Alegre era já uma manifestação deste sentimento.
A maioria dos eleitores habituais do PS não transferiram o seu voto para outros partidos, mas para a abstenção. Se não sentirem que há uma correcção no rumo das políticas, nas legislativas haverá uma divisão desses votos entre o PS, o BE, a CDU e a abstenção.
Se tal suceder, apesar de os partidos de esquerda poderem ter mais votos, poderá ser a direita ganhar as eleições. Por exemplo, quem garante que não haverá uma nova AD formada antes das legislativas?
Se o PS quer continuar no governo, sozinho ou com o apoio de outro partido, terá de fazer coincidir a mudança de estilo com a mudança de políticas. Se não o fizer irá pagar eleitoralmente essa inconsistência. Caro, como se comprovou nas últimas eleições.

Henrique Baltazar

18 de junho de 2009

Vídeo "Story of stuff"

Para quem ainda não conhece, sugiro vivamente que veja este vídeo. Para quem já conhece, proponho que o reveja. São 20 minutos sem um instante de aborrecimnto.
Transmite de forma muito clara a ideia de que não é possível manter por muito tempo um sistema linear, como o da nossa sociedade de consumo (exploração de recursos-transformação-consumo-lixo), pois os recursos, finitos, serão extintos.
Boa mensagem e excelente realização.

www.storyofstuff.com

17 de junho de 2009

Inovação Social - uma causa da esquerda?

(Artigo de opinião publicado no Expresso, em 25 de Abril de 2009)

Do outro lado do Atlântico chegam notícias de que o Presidente Obama criou um gabinete na Casa Branca para promover a Inovação Social (IS). Na Europa, o actual quadro comunitário deixou cair a Iniciativa Comunitária que a promovia, a EQUAL, deixando de haver qualquer estrutura destinada a esse fim.

Tratam-se de opções políticas de fundo, baseadas em pressupostos ideológicos. Mas será que reflectem a dicotomia esquerda/ direita na forma de encarar os problemas sociais?

Há dois ou três anos a resposta seria sim, a promoção da IS era claramente uma causa da esquerda. Hoje a resposta já não poderia ser a mesma. Também a direita, ou pelo menos parte dela, reconhece agora a importância de investir na procura de novas soluções para os problemas sociais que continuam sem resposta e são agudizados pela crise.

É fácil perceber a identificação deste tema com a Esquerda. A junção dos dois termos, Inovação e Social, pode não soar muito bem à direita, que é moral e socialmente mais conservadora, mas para a esquerda é muito apelativa: a modernidade do termo “Inovação” transmite a ideia de um novo progressismo, um progressismo social mais moderno. Não é, portanto, surpreendente que o programa EQUAL tenha sido descontinuado quando a direita comandava os destinos da Europa.

Dois elementos recentes vieram transformar este estado de coisas. Um deles é a crise económica e social, que evidenciou a necessidade de criar novas respostas para os problemas de inclusão social, pois as respostas usadas no século XX não são suficientes (e também já não o eram) para os problemas do século XXI.

O outro elemento é a progressiva constatação de que as soluções de IS afinal têm resultados efectivos. É característica da IS que esta deve ser experimentada em pequena escala antes de ser implementada num universo mais abrangente, o que exige tempo. Quando o actual quadro comunitário foi negociado ainda o programa europeu de IS ia a meio. E quando os seus resultados se tornaram mais visíveis já a negociação estava concluída, não se prevendo qualquer estrutura para a promoção da IS.

Estas novas realidades vieram fazer com que a direita passasse a olhar para este tema com um interesse genuíno. Como é habitual na luta política, desagradará a alguma esquerda que os seus adversários se apropriem de uma bandeira sua. Mas para a sociedade será positivo. Se a necessidade de desenvolver IS for um tema suprapartidário, estará menos sujeita ao acantonamento ideológico que tantas vezes limita o desenvolvimento de importantes medidas sociais e políticas.

Encontrar novas e melhores soluções para a integração das minorias étnicas, a redução da reincidência dos reclusos, a reconversão de desempregados com baixa empregabilidade ou a promoção do empreendedorismo, entre muitas outras problemáticas, deve ser uma causa que mobilize todos.

O próprio Durão Barroso fez recentemente algumas intervenções em que reconhecia a importância de continuar a investir na IS. Mas não será possível esperar um novo quadro comunitário, pois o actual irá até 2013 e os problemas têm uma actualidade gritante.

Caberá a cada país encontrar a forma de corrigir o erro cometido a nível europeu, criando estruturas especializadas e dotando-as do financiamento necessário. Vários países europeus já avançaram nesse sentido. Em Portugal, à porta de várias eleições, os responsáveis políticos têm a oportunidade de afirmar a sua aposta nesta causa.

Henrique Baltazar