21 de abril de 2011

Governo de salvação nacional?

Alguns políticos e outras figuras conhecidas da nossa praça têm defendido a constituição de um governo de salvação nacional. Na óptica deles seria formado por PS-PSD-CDS.

Mas eu digo que um governo de salvação nacional não tem de ser uma coligação dos partidos do "arco do poder". O próprio termo "governo de salvação nacional" é um acto de retórica bem construído, pois transmite a ideia de que se não for feito não nos salvaremos, como se a alternativa a ele fosse o caos.

Se tal governo acontecer será uma opção política de que discordo totalmente, mas será para assegurar uma estabilidade imediata que ajudará certamente a assegurar o financiamento externo, de que efectivamente precisamos.

Ou melhor, de que precisamos se quisermos que a mudança na nossa sociedade seja construída a partir do sistema que temos, com muitos defeitos mas com muitas virtudes. Porque, tal como só reparamos na saúde quando estamos doentes, muitas vezes não nos apercebemos como vivemos numa sociedade de abundância. A riqueza é mal distribuída é certo, mas é abundante. Porque tomamos o sistema de apoios sociais (pensões, subsídios de desemprego, abonos de família, rendimento social de inserção, etc), a educação pública e o sistema nacional de saúde como dados adquiridos. Mas também as estradas, os transportes públicos, os sistemas de tratamento de águas e esgotos, a recolha do lixo, etc. Tomamos tudo isto como adquirido e reparamos que a escola não é suficientemente boa, que as estradas têm buracos, que há pobres e que há políticos corruptos. E por isso mais vale acabar com este sistema e começar de novo.

Mas eu acho que o sistema (económico, social e político) precisa de mudanças profundas, mas construídas a partir das coisas boas que este sistema tem. E para as manter precisamos de financiamento externo. Para manter os sistemas públicos mas também a economia como um todo. Porque se é verdade que os recursos estão mal distribuídos e que os mais pobres são os mais prejudicados pelas crises, enquanto os mais ricos enriquecem cada vez mais, é também verdade que é possível diminuir o desemprego e a precariedade, e caminhar para uma sociedade mais justa e inclusiva através de melhorias na sociedade actual e no seu sistema económico e político.

Podemos recusar esse caminho e escolher outro, porque há sempre alternativas. Qualquer uma das alternativas terá aspectos melhores e piores do que a situação actual. São escolhas que podemos fazer. O que importa é fazer essas escolhas com a consciência de que se ganha umas coisas e se perde outras. Eu, que acho que temos muito a perder, opto por melhorar o que temos.

Radicalmente, porque acredito que é possível que a nossa sociedade seja melhor. Radicalmente melhor. Mas isso depende de nós, de fazermos as nossas opções políticas não apenas quando há eleições, mas nos nossos comportamentos quotidianos. Porque tudo é política e tudo contribui para manter, melhorar ou piorar a sociedade em que vivemos. Quando consumimos, quando poupamos, quando reciclamos, quando nos manifestamos... Todos somos agentes políticos. E todos podemos fazer escolhas.

E a minha posição é de que é importante assegurar as condições para obter financiamento externo, mas que para isso não é necessário criar um bloco central, que resolveria um problema imediato, mas seria péssimo para o nosso futuro. Porque a criação de um bloco político PS-PSD fará com que se reduzam as possibilidades de construção de caminhos alternativos exequíveis no presente. E a existência de alternativas actuais é fundamental para que os cidadãos possam escolher e decidir o seu futuro.

Claro que existem outros partidos políticos que apresentam alternativas. Mas as alternativas à esquerda (que são as que me interessam) recusam o sistema actual e não propõem mudanças a partir do mesmo. E, por isso, não aceitam pensar em qualquer coligação com o PS, que quer manter o sistema actual mas com algumas reformas. E o PS também não quer coligações com o PCP ou o BE, que querem criar sistemas económicos radicalmente diferentes.

E não há compromisso porque se opõem duas perspectivas de fundo diferentes: uma ética da convicção e uma ética da responsabilidade. O PCP e o BE não transigem nas suas convicções e o PS adopta um sentido de realidade em que, por responsabilidade, compromete as suas convicções. O PCP e o BE podem manter-se na ética da convicção, desde que não tenham que tomar decisões de governo. E o PS pode continuar a assumir o sentido de responsabilidade, mas se não parar para reflectir acabará por perceber que já está a defender as convicções em que acredita, só o sentido de responsabilidade. E responsabilidade sem convicções não é melhor do que convicções sem responsabilidade. Não está um mais certo do que o outro.

Mas tudo isto tem consequências para todos nós. Porque faz com que as alternativas de governo não incluam as posições políticas do PCP e do BE. E era boa a presença dessas posições políticas num governo com o PS.

Então, a um "governo de salvação nacional" eu contraponho a proposta de um "governo de salvação social". Se a esquerda tiver mais votos e mais deputados, o país poderá ter um governo PS-PCP-BE, que assegure o funcionamento do sistema actual, nomeadamente os compromissos decorrentes do financiamento externo, mas que faça o país evoluir para um modelo social mais equitativo.

Não é impossível. Depende de nós.

18 de abril de 2011

Os partidos e o FMI

Vejo com perplexidade as posições do PCP e do BE relativamente ao pedido de ajuda externa. Claro que não o desejavam, assim como o PS não o desejava mas se sentiu forçado a pedir, mas tendo o país chegado à situação de não se conseguir financiar externamente, quais as alternativas?

O PCP está contra o pedido de ajuda e "denuncia ilegítima intervenção externa". Talvez não seja desejável, mas se são os representantes democraticamente eleitos a pedir não me parece que se possa dizer que é ilegítima.

Mas mais importante seria dizerem onde é que iam buscar dinheiro para pagar os salários dos funcionários públicos, as pensões, os medicamentos, os abonos de família, entre muitas outras coisas que o Estado tem de pagar, como fornecimento de bens e serviços.

Por vezes ouve-se a ideia de que o Estado podia pagar só às pessoas e ficava a dever às empresas. Mas é uma ideia absurda, porque se as empresas não receberem o que os Estado lhes deve irão à falência, despedindo os seus trabalhadores. E não há nenhum motivo para que estes sejam prejudicados para proteger os funcionários públicos. Nem vice versa.

E sem os bancos terem dinheiro não poderiam emprestar às empresas nem às famílias. Sem o crédito bancário muitas empresas também não poderiam pagar aos trabalhadores e fornecedores. E sem crédito para as famílias comprarem casa extingue-se todo o sector imobiliário e de construção de casas. São centenas de milhares de empregos. Se souberem onde ir buscar o dinheiro, digam. Se não, expliquem-nos a alternativa.

Já o BE propõe uma alternativa: pedir um empréstimo de curto prazo ao Banco Central Europeu. Sempre me pareceu uma boa ideia, mas confronta-se com um problema: esse tipo de empréstimos não pode ser realizado de acordo com os regulamentos actuais.

Esperava-se que em Junho se alterassem as regras e que estes passassem a ser possíveis e que o próprio Banco Central Europeu pudesse comprar directamente dívida pública dos Estados (sendo Portugal o primeiro candidato). Mas isso deixou de ser possível para nós, pois o chumbo do PEC veio precipitar as acoisas e Portugal já não aguentou a pressão dos mercados internacionais. O Governo estava a tentar chegar até Junho, para poder pedir essa ajuda externa mais favorável, mas o chumbo do PEC forçou a antecipação do pedido de ajuda.

Importa então perguntar: se o que o BE propõe é algo que só poderia ser aprovado em Junho, não terá sido um erro chumbar o PEC? Provavelmente o Governo teria de cair ainda este ano, até porque estava paralisado. Mas isso poderia ser por altura do próximo Orçamento de Estado, lá para Outubro. Talvez assim não precisássemos de pedir ajuda nos termos em que teve de ser pedida, com o modelo do FMI. Agora podem dizer que estão contra, mas podiam ter contribuído para o evitar.

Mas a táctica política sobrepôs-se à defesa do bem comum... Com custos para todos nós.

13 de abril de 2011

O dilema das próximas eleições