16 de janeiro de 2011

A questão do cinto de segurança ou o compromisso entre liberdades e obrigações

Num eloquente argumento a favor da liberdade individual, Javier Gomá Lanzón escreveu (Babélia, El País) em 6 de Novembro passado, “¿Qué bien social está reglamentando la norma que declara ilícito el incumplimiento del deber de abrocharse el cinturón de seguridad? Ninguna: está velando exclusivamente por mí y no pretende proteger interés general alguno”.

O autor considera que esta imposição representa a imposição de um paternalismo estatal, uma imposição do estado à nossa vida privada, um uso totalitário da lei, quando a opção de usar ou não o cinto de segurança apenas afecta a nossa vida privada. Além da despesa pública resultante das consequências dos acidentes, claro está. E, relativamente a estas, Javier Gomá Lanzón estabelece um paralelismo com outras opções individuais, desde a ausência de hábitos saudáveis como ir ao ginásio ou beber com moderação até à procriação, por resultarem em gastos públicos futuros. E remata: “No: si mi libertad genera perjuicios, incurriré en la responsabilidad que proceda”. Como se tudo se resolvesse com dinheiro.

A vida em sociedade implica regras, que podemos não conhecer ou sequer aceitar, mas que nos afectam. Para o bem e para o mal. Uma delas é a obrigação de socorro. Ou será que por alguém optar por não usar o cinto de segurança está a desobrigar os outros dessa obrigação? Poderá um médico, paramédico, enfermeiro ou qualquer outro cidadão passar por um acidente na estrada e dizer “não levava cinto de segurança? Então não tenho de parar para o ajudar”? Ou poderão no hospital dizer “é um caso grave, mas como não levava cinto de segurança tratamos primeiro dos feridos ligeiros”? Ou, porque estas obrigações não se aplicam apenas aos automobilistas, poderão os serviços de socorro a náufragos dizer “não levava colete salva-vidas? Então não me vou arriscar a tentar salvá-lo. Fico a ver o jogo de futebol”?

A comunidade em que vivemos estabelece direitos e obrigações para todos os indivíduos, realizando compromissos entre liberdade e responsabilidade. Assim, se sofrermos um acidente, temos o direito de ser ajudados por quem tenha a possibilidade de o fazer; e para usufruirmos desse direito alguém tem uma obrigação correspondente. Não se trata apenas de “si mi libertad genera perjuicios, incurriré en la responsabilidad que proceda”. Trata-se, isso sim, de a comunidade assegurar a cada indivíduo direitos que têm implicações sobre os demais. E, correlativamente a esses direitos, exigir determinados comportamentos.

Voltando à questão de Javier Gomá Lanzón: porque não proibir também a ausência de hábitos saudáveis, como praticar desporto, por exemplo? Porque, no difícil equilíbrio entre liberdades e obrigações, a comunidade (pelo menos a maioria dela) tem entendido que a restrição da liberdade individual apenas é admissível quando o transtorno que provoca ao próprio está muito aquém das consequências que o comportamento proibido teria para os outros.

Obrigar as pessoas a praticar desporto ou a andarem mais a pé para serem mais saudáveis produziria certamente benefícios para a sua saúde, mas implicaria uma mudança significativa nas suas vidas. E mantemos, portanto, a liberdade de não o fazer. Vamos então de carro. Desde que o cinto de segurança vá bem apertado.

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