29 de junho de 2009

Investimentos públicos - os manifestos dos 28 e dos 51

(Este post é escrito no local mais propício - no Alfa Pendular, a caminho de Lisboa)

Para quem quiser ler os manifestos, pode encontrá-ls nestes links:
Dos 28: http://www.reavaliarinvpublicos.com/cont1_01.html
Dos 51: http://pauloquerido.pt/economia/manifesto-de-51-economistas-e-cientistas-sociais/

É bom ver os cidadãos organizarem-se para co-produzirem manifestos que visam estimular do debate público. Traz a discussão para fora do espaço restrito da política partidária, tendo também efeitos nesta (que é, aliás, o principal objectivo desses manifestos).
Gosto da iniciativa e saúdo-a, pois permite a todos nós pensar sobre este assunto a partir de duas ideias contrastantes, quando é tão habitual ouvirmos dizer "a única alternativa é"... Ideia bizarra, se pensarmos um pouco nisso, pois o conceito de alternativa implica que existe isso mesmo, alternativa, pelo que não se pode conceber uma alternativa que não tenha outra... alternativa. Esse discurso é, por isso, uma contradição nos termos. Que não é inocente: é feito para pensarmos que não há alternativa, conduzindo a um pensamento único.
Voltando aos manifestos: o dos 28 diz que, perante o novo contexto económico, temos de reavaliar os investimentos públicos sob uma perspectiva técnica, por um painel de peritos independentes; o dos 51 defende que o investimento público tem efeitos virtuosos na economia e, sobretudo, no emprego, pelo que este momento de crise justifica (ainda mais do que antes) a aposta em investimento público.
À primeira vista parece possível concordar com ambos os manifestos, dizendo que sim a ambas as afirmações: que os investimentos públicos têm efeitos virtuosos, mas devem ser reavaliados.
Mas isso é apenas aparente, pois o manifesto dos 28 utiliza um truque comunicacional, que está a ter o efeito pretendido: diz algo com que é fácil concordar (que é necessário repensar os grandes investimentos públicos), mas não apresenta a sua ideia de fundo (que o investimento público não é uma boa forma de estimular a economia).
E a ideia de fundo deve ser discutida de forma separada da questão (também relevante) sobre se se deve reavaliar as opções dos últimos governos (do PS e do PSD/CDS).
A primeira questão é ideológica, a segunda é de bom senso.
Na primeira questão, a minha opção já está tomada - acho que deve haver mais investimento público, que não só anima a economia, criando empregos, como também cria maior bem-estar social. Porque não conta só a rentabilidade de uma linha ferroviária, por exemplo (já que estou num combóio), mas também a utilidade social que esta tem para a população. E, a propósito, recordo que fechar as linhas do interior "porque não são rentáveis" não deve ser encarado apenas como uma decisão de gestão "que não tinha alternativa", mas também política.
Na segunda questão tenho dúvidas, sobretudo na linha de TGV Lisboa-Porto-Vigo. A minha dúvida não se prende com a rentabilidade da operação, até porque não conheço os estudos, tal como acontece com quase todos os comentaristas com opiniões muito determinadas a favor ou contra. A minha dúvida é se vale a pena investir na substituição de um bem social de qualidade média (o serviço prestado pela linha do Norte) por outro de qualidade superior.
A mesma questão não se coloca na ligação a Espanha, pois a qualidade do serviço actual é muito baixa, pelo que quase não é utilizado. Aí a questão é quase a de criar um novo bem social, não a sua substituição.
Havendo muitas necessidades no país e poucos recursos, claro que concordo com a necessidade de avaliar bem os investimentos - e o caso do novo aeroporto (que era na OTA e afinal vai ser em Alcochete) não dá muita confiança de que os investimentos estejam todos bem avaliados.
Mas, dito isto, afirmo que há muitas outras áreas nas quais devia haver mais investimento público. Esta é a minha opção ideológica. Outros terão diferentes, mas que as afirmem, não camuflem.

1 comentário:

  1. Concordo.

    Para além disso...
    Uma questão técnica e algumas questões mais de fundo na sua sequência:

    Qualquer que seja o perfil aerodinâmico do veículo, a força exercida pelo vento e que se opõe ao seu movimento evolui com o quadrado da velocidade. Como a potência é igual ao produto da força pela velocidade, a potência consumida por um veículo em movimento evolui com o cubo da velocidade.
    Vale a pena pensar nisso. Um automóvel que se desloque a 120 km/h consome quase 2,4 vezes mais combustível que um automóvel a 90 km/h durante igual intervalo de tempo (na realidade este valor é exagerado pois não são considerados os atritos dos pneus com o solo e internos ao automóvel).
    O consumo total para um determinado trajecto é proporcional ao quadrado da velocidade (o consumo instantâneo é proporcional ao cubo da velocidade, mas também é verdade que quanto mais depressa vamos, mais depressa lá chegamos - o que aliás sustenta bastante bem a tese do sujeito que anda a 240 km/h para chegar depressa ao seu destino, porque a estrada é um sítio muito perigoso).
    Façamos então algumas contas. Consideremos o comboio A que se desloca a 200 km/h entre Porto e Lisboa, e o comboio B que se desloca a 300 km/h no mesmo troço. O comboio B consumirá mais do dobro da energia do comboio A para percorrer a mesma distância. O comboio B demorará menos 30 minutos a percorrer a distância.

    A questão de fundo que eu levanto aqui não é simplesmente a de saber se vale a pena abandonar o comboio A e passar para o B. Eu concordo que não vale a pena. A questão é a de saber por que razão o progresso técnico evolui sempre do comboio A para o B e nunca do B para o A.

    Ou seja, por que razão somos todos freaks da velocidade? Porquê esta necessidade tão grande de chegar tão depressa a todo o lado, de fazer muitas coisas, de ter uma vida tão preenchida, de ter um currículo imenso, de conhecer todos os países do mundo, de viver uma vida tão incrivelmente cheia?

    Outra questão que gostaria de levantar e que raramente é abordada quando se fala de transportes. Uma via de comunicação à superfície é uma ferida na paisagem que funciona, para muitos efeitos, como mais uma parede que divide a cela da prisão em espaços cada vez menores. Nós temos tendência a pensar que quanto mais vias melhor, porque para nós, urbanitas antropocêntricos, a vida passa-se aí (de tal forma a vida passa-se aí que também acaba por perder-se aí!). Mas para quem gosta de evitar estradas, funciona da forma que já descrevi. Em geral todos os animais preferem evitar estradas. Mas nós também somos afectados, e muito, por vias intransponíveis, porque protegidas com barreiras, como são as autoestradas ou as linhas de comboio de alta velocidade.

    Basicamente eu diria assim: TGV? Porquê? Para quê?

    Para termos uma ligação à Europa? Ó homem, nós fazemos parte dela! Mas precisa de ir mais longe? Então talvez seja boa ideia começar a olhar para dentro, a escavar aí. Encontrará um poço com mais fundura que qualquer um dos que existem por aqui. Depois, eventualmente, ponha-se a caminho. Vai ver que com ou sem TGV acaba por chegar lá! :)

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