(Artigo de opinião publicado no Diários de Notícias em 29 de Agosto de 2009)
As esquerdas têm muito que as divide, mas têm em comum o mais importante: os valores fundamentais.
A ideia de que existe uma responsabilidade colectiva dos cidadãos, da sociedade, perante os restantes cidadãos é o ponto fulcral desses valores. E é também a linha divisória que distingue a direita e a esquerda.
É isso que faz com que a esquerda defenda o Estado social, que é, afinal, a forma de colectivamente nos responsabilizarmos pelo destino de todos, concretizando assim o princípio da solidariedade.
Por não partilhar deste valor, Manuela Ferreira Leite defendia há dias, na sua crónica no Expresso, que o que deve existir é mais caridade na sociedade. A caridade é um acto de generosidade (e muitas vezes não passa de um acto de alívio da consciência), não de responsabilidade.
A distinção não é apenas terminológica: solidariedade versus caridade. É profundamente ideológica, mas com claras consequências práticas, condicionando a forma como se olha para os mais desafortunados: como pessoas que têm direito a receber apoios sociais ou como pessoas a quem se faz a “bondade” de atribuir esses apoios.
Apesar de frequentemente o Bloco de Esquerda e o PCP acusarem o PS de fazer uma política de direita, a verdade é que reconhecem que todos pertencem ao mesmo campo ideológico, pois partilham os valores fundamentais.
Isto deveria tornar mais fácil a construção de entendimentos entre eles e é incompreensível que por vezes não consigam chegar a soluções de compromisso em que todos cedam um pouco.
O exemplo da Câmara de Lisboa, que Santana Lopes pode ganhar, é paradigmático. Mas as eleições legislativas serão o verdadeiro teste à capacidade da esquerda para se unir pelo bem comum.
Todas as pessoas de esquerda, mesmo aquelas que estão insatisfeitas com o PS, querem que este vença as legislativas. Umas querem que forme governo sozinho, outras preferem que faça acordos com os partidos à sua esquerda, mas todas querem que ganhe.
Porém, como constatámos nas eleições europeias e pelo que dizem as sondagens que têm sido publicadas, pode ser que isso não aconteça.
A maioria dos portugueses olha para estes dados com incredulidade: nem lhes passa pela cabeça que o PSD, fraco como está, possa ganhar.
Só que o PSD não precisa de conquistar muitos votos, basta-lhe conseguir mobilizar o seu eleitorado fiel. A convicção generalizada de que não ganhará encarregar-se-á de fazer o resto, levando a que muitas pessoas que poderiam votar no PS (o que fariam se achassem que o que estava em causa era ganhar o PS ou o PSD) votem no BE ou na CDU, com a ideia de que isso irá empurrar o PS para a esquerda.
Sabendo que bastará que o PSD tenha mais um voto do que o PS para Cavaco Silva convidar Manuela Ferreira Leite a formar governo, muitos eleitores de esquerda sentem estar perante um dilema: gostariam de votar à esquerda do PS para mostrar a este o caminho que deve seguir, mas se o fizerem há o risco de o governo ser de direita. Um governo PSD-CDS que, com o beneplácito do Presidente da República, reduzirá o papel do Estado social à perspectiva de caridade em que Manuela Ferreira Leite se inspira.
Será um dilema difícil de resolver para muitos, mas é fundamental que o seja em plena consciência das consequências de cada uma das opções, pois o que está em jogo é demasiado importante para permitir leviandades.
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