“Competição diacrónica” é um conceito
usado por Richard Heinberg, um
jornalista americano que muito tem
escrito e falado sobre a encosta
descendente em que nos encontramos
na corrida ao consumo de combustíveis
fósseis, em vias do esgotamento. Mas esta ideia de
uma competição diacrónica, a verificação de que
passámos a competir com os nossos descendentes,
ocupando não o espaço que sobra (porque esse já não
existe) mas o tempo que resta, o tempo futuro, é
muito pertinente para percebermos o que se passa no
campo da economia e dos mercados financeiros. Um
grave erro de análise — garantia de que tudo seguirá o
seu curso catastrófico — consiste em pensar que há
uma lógica económica autónoma que rege tudo. Ora,
essa lógica económica não existiria se não dependesse
de uma teoria da história que se baseia na experiência
da aceleração moderna do tempo. Deve-se a Reinhart
Koselleck, o autor alemão de uma monumental
história dos conceitos, ter apreendido a aceleração
como categoria específica do tempo histórico. A
competição diacrónica começou com a ideia de
progresso e reforçou-se com o imperativo do
crescimento. Por causa da aceleração, diz Koselleck,
“o nosso globo transformou-se numa nave espacial
fechada”, lançada no infinito. Como muito bem
percebeu Benjamin, há um ideia da história que
explica o curso do mundo, e não é possível
interrompê-lo se não construirmos uma nova. É
ingénuo pensar que o modelo económico é causa; na
verdade é consequência. A categoria da aceleração
permite perceber como é que a nossa época produziu
em tão pouco tempo tanto passado, ao ponto de já só
produzir passado porque deixa imediatamente para
trás ciclos evolutivos que dantes levavam séculos a
sedimentar. É a época das epoquizações: das décadas
que ganham autonomia e passam a escandir o tempo
histórico, como dantes acontecia com os séculos e,
antes, com os milénios; do ano que entra em
liquidação por altura dos balanços; das rentrées que se
tornam um passado longínquo logo a seguir ao dia de
Natal. Não se trata do encurtamento apocalíptico do
tempo, de que falam os textos apocalípticos da
tradição judaico-cristã, porque esse representava o
trânsito para a salvação eterna, era um modo de
chegar mais depressa ao dia do Juízo Final. A
competição diacrónica consiste em roubar tempo dos
que hão-de vir porque não nos chega aquele que nos
estava reservado. Esta é a consequência lógica do
princípio que rege toda a nossa economia e
sociedade, popularizado por Benjamin Franklin:
“Time is money”. Um antigo agricultor que plantava
cenouras, da espécie antiga, que levam alguns meses
a crescer, não sentia que estava a perder tempo e não
decidia passar à monocultura dos nabos, que crescem
em poucas semanas. Ele desconhecia o princípio de
que “time is money”. Para ele, cenouras e nabos
tinham um ciclo temporal idêntico: nascem,
desenvolvem-se e, se não são colhidos, tornam-se
duros e lenhosos, primeiro, e depois apodrecem. Ora,
para a agricultura industrializada, o princípio
fundamental é o de que “time is money”, e se ainda
comemos cenouras foi porque a engenharia genética
tornou possível chegar a novas espécies que crescem
em metade do tempo (e ficam em débito
relativamente ao sabor, na natureza também não há
almoços grátis). A competição diacrónica originada
pela aceleração explica a questão da dívida. Os países
endividam-se porque nós somos todos seres vivos em
débito. Se só recentemente é que nos começaram a
fazer ver isso, não é porque a dívida possa ser saldada
— ela só pode ser reproduzida. É porque o débito do
ser vivo é a modalidade da sua sujeição.
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